Assistindo um episódio reprisado de Saturday Night Live com o Alan Cumming como apresentador convidado, fui no IMDB confirmar que de fato ele me parecer familiar -- consumidor de pipoca que sou -- como o Noturno de X-Men 2. Lá, em meio aos onze filmes que constam como anunciado, pré- ou pós-produção, encontrei duas notícias, uma espero ser boa, a outra provavelmente nefasta:
-X-Men 3 finalmente apareceu lá como pré-produção, com filmagens previstas para Junho de 2005 e lançamento para 2006. Ainda não consta sequer diretor nem plot outline, então é vaga a notícia, mas eu ouso esperar boa coisa: se X-Men foi passável, X-Men 2 foi um daqueles filmes que renovaram a minha fé no cinema-pipoca, sem falar no final teaser anunciando algo com a Saga da Fênix pro terceiro (se você não sabe o que é, não pergunte, reminescências de infância quando X-Men ainda era um quadrinho minimamente bom).
Se bem que nos escassos e incertos créditos que já aparecem lá não consta a Famke Janssen (Jean Grey nos dois primeiros filmes) nem referência alguma a Jean Grey ou Fênix. Também não conta, como era previsto, a oscarizada e infladamente cotada Hale Berry. E -- finalmente! -- conta o Colossus no topo da lista, pra satisfazer a água na boca da aparição relâmpago dele no segundo filme.
É, Hollywood realmente descobriu os quadrinhos, já perdi a conta de quantos e quais estão pra sair no cinema, depois eu faço uma lista remissiva.
-Son of the Mask: de cara não me toquei do que se tratava, só atiçou minha curiosidade que o personagem dele seria o deus nórdico Loki, então fui conferir. E, sim gente, é isso mesmo, "O Filho do Máscara", continuação improvável do Máskara Jim Carrey!
Pessoalmente, eu achei que já fosse oficial no meio do cinema que continuações com títulos como "The Son of...", "The Bride of..." e outras relações familiares semelhantes fossem algo de gosto duvidável e risível ao extremo -- e não estamos falando dos risos conquistados por uma boa comédia... Uma continuação do Máskara, a que ponto chegamos?! Oh, the Humanity... :P
-Tem também (as notícias eram duas sim, esse terceiro é só uma curiosidade), um tal Living Neon Dreams, produção alemã de diretor sem antecedentes que revisita o imortal "Alice no País das Maravilhas". Nessa versão, a jovem Alice inicia sua jornada ao entrar em coma após um acidente de carro (algo no título me diz que o acidente teria sido relacionado com drogas, assim como suas visões psicodélicas durante o coma). Só sei que o Alan Cumming vai interpretar o Rei de Copas, e ao seu lado como, claro, Rainha de Copas, temos ninguém menos que Marylin Manson, vá entender.
Então lembre-se, daqui a um ano e tal, quando você ouvir falar na mídia sobre esse filme, ou no boca-a-boca do meio cult, lembre-se, you heard it here first. :P
"I still dream of Orgonon
I wake up crying
You're making rain
And you're just in reach
When you and sleep escape me
You're like my yo-yo that glowed in the dark
What made it special made it dangerous
So I bury it -- and forget
But every time it rains
You're here in my head
Like the sun coming out
I just know that something good is going to happen
I don't know when
But just saying it could even make it happen
On top of the world
Looking over the edge
You could see them coming
You looked too small
In their big black car
To be a threat to the men in power
I hid my yo-yo in the garden.
I can't hide you from the government
Oh, God, daddy -- I won't forget
'Cause every time it rains
You're here in my head
Like the sun coming out
I just know that something good is going to happen
I don't know when
But just saying it could even make it happen
(I'm cloudbusting, daddy)
The sun's coming out...
Your son's coming out..."
Kate Bush - "Cloudbusting"
Em 3 de Novembro de 1957, morria aos 60 anos o topetudo esquisitão da foto, Wilhelm Reich, em uma prisão federal norte-americana, vítima indireta da caça às bruxas do mccarthismo. É claro que o mccarthismo não foi a causa em si, foi apenas o meio, sob o pretexto de um processo da FDA sobre tecnicalidades médicas das pesquisas dele. O resultado, além de uma morte amargurada após décadas de ser caçado, tanto nos EUA quanto na Europa, por buscar promover uma melhora para o sofrimento humano, foi a destruição de grande quantidade de material publicado e não-publicado de sua obra e pesquisa, mais um caso da neurose de massa se empenhando em não sair dessa.
Não cabe aqui elaborar sobre a vida e obra desse homem, referência implícita e onipresente em toda a escrita deste blog, nem elaborar sobre a polêmica de suas pesquisas finais e sua prisão: um resumo não faria juz a ele e não o apresentaria devidamente a quem não o conhece, e uma apresentação que fizesse juz seria elaborada demais -- além do que eu provavelmente não conseguiria evitar que paixão e admiração soassem como idolatria.
A música da Kate Bush em referência é baseada no livro de Peter Reich sobre o pai, cujo título me escapa agora. Ela relata, do consternante ponto de vista de um filho pequeno, a vinda dos agentes federais para prender Reich em sua casa/laboratório no Maine, atual sede do Wilhelm Reich Museum e do Orgone Institute. Explicações de referências na música:
.Orgon (orgonon/orgone) é a "energia cósmica" (eu pessoalmente detesto este termo por dar margem para toda uma ala de new age freaks e esquizotéricos perverter tal trabalho) que Reich descobriu e estudou partindo das funções vitais básicas humanas. Tal energia -- pra dar um chega-pra-lá na tal ala que só sabe falar de "energia" como algo abstrato e espiritual - era fisicamente observável e quantificável, e consta que tinha um belo brilho azul. Sim, o nome vem de orgasmo, a pedra fundamental dos estudos de Reich;
.O tal ioiô que brilhava no escuro que Reich deu para seu filho brilhava graças a justamente uma quantidade de orgon capturada nele, daí ele se tornar algo "perigoso";
.Nos últimos anos de suas pesquisas, quando supostamente ele já estava louco (isso, ou tão afastado da ciência tradicional, e tão perto de ameaçador para ela, que foi preciso taxá-lo de louco), Reich deixou de estudar o indivíduo e passou a estudar a natureza como um todo. O "cloudbuster" (ilustrado na segunda foto) era uma de suas geringonças, um canhão de orgon que ele usava em seus experimentos para bombardear as nuvens com orgon e fazer chover, daí o "making rain".
Pra quem possa achar tudo isso muito esquisito, sim, isso é Psicologia.
"To all the children who left home, with packs on their backs
On a misty April morning
I wish to erect a memorial.
To all the children who wept, each holding his pack
His sad eyes not looking back
I wish to erect a memorial.
A memorial neither of stone, nor concrete
Nor even of bronze that turns green
With the bitter passing of time.
A memorial to their suffering
A memorial to their terror
And to their fearful surprise.
There's the sweet-smelling world
Filled with laughter and bluebird song
Being wiped off the map with a gunshot.
In this new world
Where on a falling body
A bloodstain grows.
While those who stayed rest their warm feet
Under their desks, working out the profit
That the war they desired will bring them.
To all those fat men,
To those potbellied cuckholds
Counting and counting their cash.
To them I will erect a most suitable memorial
I will flog them with a whip
Hit them with my feet, my fists,
With words that will stick to their fat faces
To their flabby jowls, stamping them and their name
With mud and with shame."
Boris Vian - "À tous les enfants" (original em francês pode ser encontrado aqui)
Eu já devo ter comentado como são fúteis essas datas oficiais nas quais nós devemos nos lembrar dessa ou daquela pessoa convencionada pela ocasião. As data comerciais habituais (dia das mães, pais, namorados, Natal, etc.), nas quais devemos amar as pessoas não por sentir amor, mas porque o calendário mandou, e esse dia de Finados, no qual devemos nos lembrar de sentir saudades de nossos eventuais entes queridos mortos. De uma forma ou de outra, esse emprego dado a esta data é tão forjado quanto às demais: se a saudade e falta daquela pessoa existem, nós as sentimos espontaneamente em qualquer data; se não existem mais, se conseguimos elaborar nossos lutos e seguir adiante, por que ficar reavivando a falta em uma data estipulada? "Culpa do sobrevivente", que sente quem fica pra trás? Como de costume, "espontaneidade" é a palavra-chave aqui, em oposição a "convenção".
Não obstante, há uma relevância na data de Finados, normalmente abandonada em prol de nossas historinhas individuais. Ora, se essa é uma data social, faz sentido homenagear nela não as mortes de nossos entes queridos (se você fizer questão de uma data específica para isso, use a data do falecimento!), mas sim as mortes "sociais", os indivíduos mortos pela coletividade. O Monumento ao Soldado Desconhecido está aí para isso, para lamentar as mais lamentáveis das mortes, sancionadas por Estado e Igreja, nas quais levas e levas de milhares de jovens são enviadas para morrer por uma causa.
É difícil falar algo de útil sobre guerra, para além do pacifismo barato que corre por aí, talvez porque - assim como o seu oposto, o amor -- tantas grandes mentes já tenham refletido tanto a respeito e ainda assim, em última instância, ela permaneça um mistério de difícil definição. Mas, agora diferente do amor, é um mistério que não faz sentido, que se prolifera para além do que é humano, mas ainda assim lança fundas raízes na história da Humanidade. E não, não se pode dizer que a guerra faça parte da natureza humana via a agressividade: a agressividade, parte legítima e necessária da natureza humana, mesmo quando pervertida em violência, pode levar um homem a matar uma ou mais pessoas das quais ele tenha ódio imediato, mas o fenômeno de milhares de desconhecidos se matando não cabe nessa dinâmica.
* * *
Enfim, encerro apenas me lembrando da belíssima graphic novel "Enemy Ace: War Idyll", de George Pratt. Ilustrada com uma aquarela pungente, ela conta a história de um veterano do Vietnã que, disfarçado de repórter, busca paz de espírito entrevistando em um asilo um veterano piloto alemão da 1a Guerra. Entre as memórias e catarses dos dois, uma comovente história sobre guerra e humanidade é contada, e mesmo quem torce o nariz para os "gibis" estaria muito bem servido em ler essa história. Eu poderia e gostaria de comentar algumas das cenas mais comoventes, que fazem com que mesmo após ler várias vezes continue sendo impossível não chorar, mas seria um pálido desserviço. Reforço apenas que é um dos melhores e mais fortes trabalhos que eu já vi, que não faz feio mesmo se comparado a grandes nomes da literatura clássica, e recomendo a todos os interessados -- e mais ainda aos não-interessados -- que arrumem um exemplar para ler (foi lançado há alguns anos no Brasil, pela Globo se não me engano).
Salpicadas nas aberturas de cada capítulo, estão citações de políticos e escritores do início do século, comentando sobre a 1a Guerra:
"Se algum deles perguntar
'Por que morremos?'
Diga a eles
'Porque nossos pais mentiram'" -- R. Kipling, 1915, ao saber do desaparecimento de seu filho no front.
Mas claro que eu não vou contar idéia jovem alguma. "No new tale to tell", apenas uma vontade de potência, ou o potencial de uma vontade. Nós precisamos de idéias jovens, claro, mas quando reparamos que a própria referência de um clamor novo usada tem mais de 20 anos, a exaltação com toda a poeira levantada tende a baixar um pouco. A cada geração, nós jovens percebemos que "está na hora", que o sangue novo está aqui, correndo em nossas veias, nosso ímpeto pela reinvenção está latente mas, por tantos motivos conhecidos e uns outros tantos desconhecidos, acabamos não descobrindo o canal ou a forma apropriada a dar para esse ímpeto, e acabamos "sublimando" e deixando por isso mesmo.
Que seja. Não obstante, o sangue novo está aqui, e se os potenciais não geraram seus frutos, tampouco se enrigeceram em mais uma camada de status quo, ainda que muitos tenham sido absorvidos e inoculados pelo status quo. Mods, punks, beatniks, hippies e tantos outros movimentos passaram, e já faz tempo que não se tem um "movimento" sobre o qual falar, mas a falta de uma palavra que sirva para rotular todo o pathos e vitalidade de uma geração não faz com que eles deixem de existir. Como disse Tyler Durden, nós não temos uma Grande Guerra ou Grande Depressão contra os quais lutar, a falta do símbolo que um grande mal como a ditadura militar representa gera a difusão, ficamos sem uma bandeira à qual nos reunirmos, ficamos apáticos.
Ou ficamos? Mas quem disse que devemos precisar de bandeiras, slogans ou movimentos? Essas são justamente as armas "deles", do "inimigo", testadas século após século, com os resultados que já conhecemos. Sejamos então difusos, talvez seja essa a grande sacada, o grande aprendizado deixado pelos nossos predecessores, não nos carregar do fardo desses instrumentos: nós crescemos com os valores de que grandes conquistas são feitas com frases de efeito e bandeiras, e em comparação aos movimentos do passado realmente somos apáticos. Mas se os grandes movimentos deram sempre com os burros n'água, por que nos nortear por eles? A necessidade de reinvenção passa pela reinvenção dos valores (reinvenção, não a rebeldia barata de negar tudo que for passado, "You can't dismiss what is gone before / But there's foundations for us to explore"), quem sabe novos valores que não preguem que nos equipemos com os ossos do ofício habituais. A História nos ensina que as questões são maiores e o buraco é mais embaixo do que se pensava, do contrário eles já teriam sido solucionados antes, e se nós não servimos para os velhos valores, tampouco eles nos servem. As grandes causas servem apenas para ideologias infladas, a menor das pequenas coisas humanas pelas quais realmente vale a pena lutar não cabe na maior das ideologias.
Não vistamos então a camisa de nenhuma causa, pois sabemos que as causas são apenas aparências. Se vemos que o rei está nu, sigamos então nus também. Sejamos difusos, pois a solidez nos faz lentos e complacentes, e a difusão nos permite a fluidez de perceber além do bem e do mal, e enxergarmos que há o bom e mau.
In the city there's a thousand things I want to say to you
But whenever I approach you, you make me look a fool
I wanna say, I wanna tell you
About the young ideas
But you turn them into fears
In the city there's a thousand faces all shining bright
And those golden faces are under 25
They wanna say, they gonna tell ya
About the young idea
You better listen now you've said your bit-ah
And I know what you're thinking
You still think I am crap
But you'd better listen man
Because the kids know where it's at
In the city there's a thousand men in uniforms
And I've heard they now have the right to kill a man
We wanna say, we gonna tell ya
About the young idea
And if it don't work, at least we said we've tried
In the city there's a thousand things I want to say to you"