A Single Kiss ano X:
The Chestnut Tree Café
"Under the spreading chestnut tree, I sold you and you sold me"
-- George Orwell - "1984"

Após anos sob interdição, o Chestnut Tree Café agora se dedica a registrar as Crônicas de um Escravo de Colarinho Branco.

Música:
R.E.M.
Sisters of Mercy
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quarta-feira, março 31, 2004

 


A Paixão de Cristo

Sim, vou seguir a tendência do momento e discutir a polêmica deste filme – ao menos é melhor do que seguir a tendência de discutir quem vai pro paredão do BBB. Vou falar menos do filme em si do que das críticas e queixas correntes a respeito dele, que a meu ver estão permeadas de deslocamentos, com os detratores se empenhando em não perceber o que de fato os incomodou no filme. Aviso a quem não viu ainda que há spoilers salpicados ao longo do texto. Peço também a quem se dispuser que antes de prosseguir leia esse artigo de um líder Católico norte-americano (link encontrado originalmente em um comment no blog da Lia), que serve de base inicial a vários comentários meus. E um disclaimer, não estou me referindo ao longo desse texto aos religiosos cristãos como um todo, tampouco a todos os sub-grupos, apenas àqueles a quem a carapuça das críticas servir.

No artigo acima, o autor compara como vários críticos de cinema americanos que malharam “A Paixão” pela violência excessiva aclamaram filmes como “Gladiador” e ”O Resgate do Soldado Ryan” (um chegou ao ponto de dizer que Spielberg pegou leve na violência deste último!). E eu me lembro que em “A Cela”, por exemplo, um homem tem seu intestino desenrolado por um buraco na barriga, em meio a várias outras atrocidades; o comentário mais marcante da crítica foi de que era um filme esteticamente “belo”. Essa idiossincrasia parece ser corroborada por várias opiniões que se ouvem por aí, nos levando à conclusão de que a queixa quanto à violência é o deslocamento mais direto e gritante: se em casos semelhantes as pessoas de modo geral não se incomodaram com a violência, por que alegam a violência excessiva como queixa primária nesse caso, ou seja, o que há de diferente entre ele e os demais? A resposta para essa pergunta retórica me parece simples: Cristo. Por algum motivo, ver violência associada diretamente à pessoa de Jesus despertou algum tabu coletivo, tão profundo que sequer pode ser denunciado abertamente.

A minha teoria (não reclamo primazia; ouvi fragmentos de opiniões semelhantes, e em traços gerais o pensamento é influenciado pelo livro indicado mais abaixo) é de que o ponto central deste tabu é a culpa, que não coincidentemente é o ponto central de todo o dogma cristão. O dogma cristão, estruturado pelo Catolicismo e seguido pela maioria das igrejas protestantes, incute em seus seguidores a culpa de saber que Jesus sofreu e morreu pelos pecados de todos. Mas a maioria dos cristãos parece ter uma imagem fantasiosa do sofrimento de Cristo como algo sublime e transcendental, uma abstração, que seu sofrimento tenha sido pouco mais do que ficar pesaroso ao contemplar o pecado da humanidade, e que a via crucis tenha sido pouco mais do que uma dor nas costas e umas três gotinhas de sangue na testa. Assim fica fácil para a maioria dos cristãos curtir numa boa essa culpa pelo sacrifício de Cristo. Então, o que me parece ser a maior agressão do filme é privar o rebanho desta facilidade, jogando na cara de todos que não foi sofrimento sublime algum, mas sim uma dor bem terrena, a tortura excruciante e desumana que sofrem todos os presos políticos ao longo da História. O espectador incauto que a vida inteira meio que sublimou o sofrimento de Cristo foi brutalmente confrontado com a realidade deste sofrimento, aumentando exponencialmente a sua carga de culpa. Talvez o coração do tal pastor evangélico que morreu ao ver o filme tenha falhado ao se dar conta de quão maior do que ele pensava era a culpa que ele tinha que suportar.

A observação do timing dos soluços e fungadas do público na sala de cinema pareceu reforçar essa minha teoria. Considerem, tipicamente quando nos defrontamos com sofrimento alheio, nossa tendência não é de empatia, reagindo solidariamente ao tipo da dor em questão? Nas dores emocionais, não choramos com a tristeza alheia ou ficamos irados quando vemos a pessoa sofrer uma injustiça? E nas dores físicas, não tentamos nos desviar de um golpe imaginário, ou nos encolhemos, soltamos um gemido, até mesmo protegemos reflexivamente em nosso corpo a parte agredida na pessoa? Pois bem, nas cenas mais emotivas, reinava silêncio absoluto no cinema. Por exemplo, em uma das cenas mais comoventes do filme, quando Maria vê Jesus tropeçar durante a via crucis e corre para acudí-lo, intercalado com a memória dela correndo para acudí-lo quando criança ao se machucar brincando, não se ouvia nem um choramingo. Em contrapartida, durante a cena do flagelo (de longe a mais chocante do filme, pela primeira vez em minha vasta vivência de filmes sangrentos eu tive o impulso de virar a cara) vários choros eram ouvidos pelo cinema. Eu não tenho a pretenção de dizer como as pessoas devem reagir a quê, mas quando você é chicoteado você não chora de tristeza, você urra de dor! A reação geral parecia ser um mecanismo de defesa, levando a dor pro lado emocional, mais fácil de se administrar.

Ora, o filme não tem a menor pretenção de ser interpretativo, ele narra bastante literalmente as passagens pertinentes da Bíblia. Então, se é para se criticar algo, que se critique a fonte do filme, a própria Bíblia! Como isso é algo impensável para um cristão, como é que o volume maior de críticas vem deles? Mel Gibson foi nesse filme um agente promotor da culpa cristã (eu se fosse cristão sairia direto do cinema para ir pagar umas penitências), mas como esse é um valor central cristão, estes não deveriam dizer “Amém” para essa iniciativa? Do lugar de não-cristãos podemos condenar essa promoção de culpa no filme, mas aí novamente a crítica recairia sobre o cristianismo como um todo, e sua ênfase na culpa. Será que nessa separa-se o joio do trigo, distingüindo-se os cristãos que professam a fé mas na hora rm que vêem que o buraco é mais embaixo se queixam daquilo que supostamente cultuam?

Outra crítica muito míope feita é de que o filme seria anti-semita, o que, sejamos sinceros, é uma grande mudança de foco. Ora, o filme não mostra como vilões o povo judaico, mas sim uma pequena elite de poder interessada em aniquilar qualquer possível ameaça e se manter no poder, a mesma elite que em toda parte e época perseguiu e torturou todos aqueles que se opusessem a sua opressão. No caso essa elite era judaica, mas isso é circunstancial, já que no caso foi uma opressão entre judeus. Essa elite também já foi chinesa, russa, alemã, brasileira, inglesa, portuguesa, muçulmana, cristã e egípcia, ela é sempre a ponta da pirâmide de qualquer cultura em questão. Se eu retrato militares sanguinários brasileiros torturando estudantes, eu não estou sendo “anti-brasileiro”, nem mesmo anti-militarista, já que não são todos os militares (espero) que se disporiam a tais práticas.

O filme está criticando não os judeus, mas sim essa relação de poder e dominação que não tem época nem nacionalidade, se reproduzindo endemicamente em toda a História da humanidade. Ah, ele mostra também uma massa histérica e empobrecida, levada a buscar saciação se deleitando na tortura alheia, mas isso tampouco tem nacionalidade ou religião particular. Se essa foi ou não a intenção do Mel Gibson (que parece que andou soltando uns comentários bem de direita por aí) é secundário, essa crítica no filme permanece, para quem se dispuser a ouví-la.

Logo mais eu escrevo mais alguns pontos menores que deixei de fora dessas considerações aqui.

Esse tema remete não à música do dia, mas ao livro do dia, ”O Assassinato de Cristo” do Reich, um belo livro, onde ele faz considerações sobre a distorção das pregações de Jesus (como a identificação de Jesus como Rei, e a equivalência da “carne” pecaminosa com o “corpo” legítimo) e sobre a intolerância e ódio de pessoas emocionalmente mortas quando se defrontam com um lampejo de vida alheio. No close de um homem de expressão vil que cuspia e apedrejava Cristo durante a via crucis, seu riso de deleite maldoso parecia dizer “você era belo, saudável e cheio de vida, isso é inadmissível, agora você está arruinado e moribundo como nós, é assim que tem que ser”. Tirando de Jesus a carga de messias divino (e revalidando a mudança Iluminista do Teocentrismo para o Antropocentrismo), Reich não o diminui como homem excepcional; ao invés, ele o representa como um homem dotado de força e vitalidade plenas, mas que emanam de dentro de si, e não de Deus, para ilustrar que tal estado de graça é alcançável em vida por todos os homens, mas que estes cronicamente preferem “nivelar por baixo” aniquilando a vitalidade alheia ao invés de promover a sua.

Mas sério, procurem o livro, você não precisa ser reichiano nem sequer psicólogo para lê-lo e desfrutar dele.


posted by Manhaes at 1:18 AM
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domingo, março 28, 2004

 


"Uma minoria de um pode estar certa." (...) "Sanidade não é estatística."



Já fazem uns dois anos desde que eu vi esta adaptação para o cinema de 1984, e desde então os dois nomes acima me soaram familiares, mas só essa semana eu fui me lembrar de levantar os currículos deles no IMDB. John Hurt e Richard Burton (respectivamente nos papéis do trágico Winston Smith e do infame O'Brien) têm umas filmografias bem interessantes. Mas antes, uma recomendação de site, onde se encontram reunidas informações e imagens diversas sobre 1984 e suas adaptações, inclusive para quadrinhos! Agora, às filmografias:

“1984” foi o último filme Richard Burton; ele morreu em agosto do mesmo ano, pouco após o término das filmagens. Antes disso, alguns filmes que me chamaram a atenção em uma olhada casual: “O Exorcista II” (1977); “Where Eagles Dare” (1968), “O Mais Longo dos Dias" (1962) e uma penca de outros filmes de guerra, na tradição de mostrar os “bravos e heróicos defensores da liberdade”; adaptações de “A Megera Domada”, “Hamlet” e “A Tempestade”, aqui na tradição de atores ingleses encenarem Shakespeare; “Dr. Fausto” (como o próprio), e “Cleópatra” (1963), aquele mesmo com a Elizabeth Taylor, como ninguém menos que o próprio Marco Antônio! Isso tudo fora várias outras pérolas das décadas de 50 e 60 que minha cultura de filmes antigos quase inexistente desconhece. De fato perfeita a escolha de um protótipo de galã de filmes antigos para o magnético O’Brien, a descrição cai como uma luva.

Já o John Hurt me era mais familiar não só de nome como de rosto, e de fato o currículo dele é mais do meu território (até porque ele é bem mais novo, com filmes relativamente mais recentes). Recentemente ele atuou no ainda não lançado ”Hellboy” e foi o narrador de ”Dogvile”. Fora isso, DUAS adaptações de ”Crime e Castigo”, no papel de Porfiry no filme de 2002, e no de ninguém menos que o próprio Raskolnikóv em uma mini-série de 79; 79, aliás, que é o mesmo ano em que participou de ”Alien” (participação pequena, já que ele é o infeliz que serve de hospedeiro para a criatura); ”Contato” em 97 (se não me engano, fazendo o milionário eminência parda que patrocina o projeto); ”Rob Roy” (como um opressor nobre inglês, claro).

Agora a infâmia: nas mãos de Mel Brooks, ele fez Jesus em “A História do Mundo, parte I”, e uma ponta em “Spaceballs”, onde reaparece como o infeliz hospedeiro de alien na gag zoando “Alien”! E mais, ele dublou Aragorn no abominado desenho de “Senhor dos Anéis” de 78, e fez algum professor de "Harry Potter".

E, fechando com chave de ouro, ele interpretou ninguém menos que John Merrick, o próprio ”Homem Elefante” (1980) de David Lynch, o que comprova duas coisas: entre Homem-Elefante e Alien, ele definitivamente já devia estar entalhado no meu córtex, dois filmes que eu vi muito moleque e que me marcaram muito (claro, que criança não ficaria marcada com a cena “Eu sou hum-m-mano”? Meus pais não tinham muito discernimento quanto a idades apropriadas); e entre John Merrick, Raskolnikóv, Winston Smith, Jesus e hospedeiro de alien, o John Hurt realmente é chegado em interpretar um sofredor. Deve ser por causa do nome...

Por essas e outras que eu adoro o IMDB, é uma diversão dar essas voltas ao mundo nos currículos de atores e diretores. Tipo ver o Terry Gillian e descobrir que o mesmo diretor dos filmes do Monty Python e de "Barão Munchausen" é capaz de fazer "Os 12 Macacos". :)


posted by Manhaes at 2:35 AM
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sexta-feira, março 26, 2004

 


Mais uma da série "cenas escrotas":
Esse semestre eu tive o infortúnio de pegar uma matéria com uma professora que manda os alunos fazerem fichamentos, com direito a roteiro e itens específicos que ela quer que contenham. Sem entrar no mérito da estupidez pedagógica que isso é, ontem (tecnicamente anteontem, quarta-feira) me deu o estalo de que seria para entregar naquele dia, então eu fui confirmar no meu caderno e me tranqüilizei, pois era apenas para 20/04. Estranho, já que eu tinha a impressão de que era para Março, mas eu sou notório por minha total falta de noção de tempo. Ao chegar na aula, porém, eu vejo que algumas pessoas estão entregando o fichamento, e após perguntar, descubro que realmente era para aquela data. Daí fico eu lá intrigado tentando decifrar o mistério de porque diabos eu tinha o dia 20 de abril anotado. Eu pergunto para uma menina se a professora havia marcado para uma data posterior e depois antecipado, e ela me responde que não, que a data original era dia 24 mesmo. "Ahn, tá", eu falei, com um ar de eureca abobado, "dia vinte e quatro, e não dia vinte do quatro"...

Ok, convenhamos, tá mais pra cena estúpida do que cena escrota. Quando eu falo que eu tenho uma veia (nervo, conforme o caso) disléxica, as pessoas pensam que é exagero... :P


posted by Manhaes at 12:48 AM
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sexta-feira, março 19, 2004

 

Saquem só que cena escrota:
Chego eu em casa sonolento da faculdade e, me aproveitando de um dos principais ganhos secundários de se morar com os pais, vou fazer um prato de comida para esquentar no microondas. Sigo todo o processo rotineiro e, quando abro o microondas para colocar o prato dentro, percebo que o microondas ligou automaticamente ao abrir a porta! Em meio a romper a sonolência e perceber que algo fora da rotina estava acontecendo, ter a resposta menos adequada apertando em vão o botão de stop, e finalmente ter a resposta correta batendo a porta do microondas, passaram-se alguns segundos. Apenas após bater a porta que vem a voz da minha mãe da sala, "Rodrigo, o microondas tá ligando quando abre a porta". Merecedor de se vociferar aquele clássico "Porra, não dava pra ter avisado antes?", não? De preferência antes de eu curtir um cinco segundos de radiação no peito, né?

Tudo bem, a gente tem q engolir sapos quando se encontra nessa situação de dependente, mas há de se traçar um limite em radioterapia involuntária! :P

"Radioactivity
It's in the air, for you and me
Radioactivity
Discovered by Madam Curie"

Kraftwerk - "Radioactivity"


posted by Manhaes at 1:37 AM
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quarta-feira, março 17, 2004

 


Bons Franceses

Em tempos que o cinema francês parece estar caracterizado primariamente por filmes como Amelie Polainas, é com gratidão que se recebe um filme como “Passaporte para a Liberdade” (Laissez-passer, de 2002), em exibição no Rio apenas no Espaço Unibanco (quem se interessar corra, pois não deve ficar muito mais).

Esse filme é uma adaptação do livro do diretor francês Jean-Devaivre (não, não vou fingir que fazia qualquer idéia de quem fosse antes de ver o filme) relatando sua experiência trabalhando no estúdio francês Continental, controlado por alemães durante a ocupação nazista da França. A grande relevância do filme me parece ser a sobriedade com que retrata os franceses dominados, sem os extremos usuais de (a) glorificar e romancear os bravos e intrépidos guerrilheiros da Resistência Francesa, ou (b) ridicularizar injustamente uma suposta submissão abjeta, como fazem americanos e ingleses. O filme nos apresenta sem exageros uma população tentando sobreviver em meio a bombardeios constantes dos Aliados e à escassez de recursos básicos, passando frio e fome enquanto tenta de alguma maneira simplesmente continuar existindo – e resistindo. Trabalhando como assistente de direção para os alemães, o protagonista estoicamente caminha um fio da navalha, aceitando a humilhação de ser um Colaboracionista para ter a oportunidade de tentar manter viva uma linguagem cinematográfica subversiva, enquanto tolera meses de opressão pela fortuita oportunidade de contrabandear ou copiar documentos nazistas -- no meio tempo explodindo um trem ou dois, claro.

Na página do filme do IMDB tem um comentário muito interessante e informativo de um espectador inglês, fazendo uma mea culpa sobre a crítica típica feita à submissão francesa na guerra, admitindo como certamente em condições semelhantes os ingleses não teriam feito diferente, e admitindo como é muito fácil manter um discurso resoluto de resistência quando se está de fora, e não quando a coisa está acontecendo em seu próprio quintal. Embora no final das contas esse espectador não tenha pego a idéia: não é que os franceses “não tenham do que se envergonhar”, mas sim que eles tenham que se orgulhar por ter conseguido combater e subverter uma dominação opressora o melhor possível com condições totalmente adversas! O fato de que apenas uma pequena parcela deles tenha se engajado nisso se deve meramente ao fato de que, em qualquer situação, apenas uma pequena parcela de qualquer população se engaja em fazer algo de útil -- “A maioria é burra”, certo?

Merece menção o interlúdio hilário no qual o protagonista, ao longo de uma seqüência de eventos crescentemente absurdos, tem um encontro que beira o surrealismo com um grupo avançado de miliares ingleses. Nesse momento o narrador vai à forra e revida 50 anos de gozação, e nos mostra um serviço de inteligência militar britânico totalmente burocratizado e ineficaz, dirigido por oficiais preguiçosos, enrolados e tacanhos. Passado esse momento de aposto, a história retoma a seriedade e segue seu rumo, como alguém que pigarreia após um rampante humorístico e volta a falar sério.

A narrativa se perde um pouco, porém, e eventualmente o ritmo desanda e cansa. Especificamente, há a narrativa intercalada de um outro diretor, que cruza apenas muito eventualmente com o protagonista, e cuja presença parece meio perdida na história. Ocupado em se virar numa vida de malandro entre várias amantes, se era para ele servir de contraponto ao engajamento do protagonista, esse contraste ficou muito difuso e mal-executado, dando a impressão de que poderia ser cortado por completo sem subtrair em nada ao filme.

Mas, no todo, um belo filme retratando o heroísmo não-glorificado e não-romanceado de não ver os resultados de sua luta, mas ainda assim lutar.


posted by Manhaes at 2:46 AM
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terça-feira, março 16, 2004

 


Vem cá, mito agora tem data?!

Em uma matéria na televisão sobre o tão esperado Troy, eu ouvi um detalhe aparentemente pequeno que me deixou grilado, e conferindo por aí eu confirmei que não foi vacilo da reportagem, mas do próprio filme. A resenha de divulgação do filme começa assim: “No ano de 1193 A.C.”, e o resto não importa. Como assim, um relato mítico com data marcada??? Mitos não têm registro temporal, o tempo mitológico é intrinsecamente distinto do tempo histórico, isso é característica básica deles! Os mitos de qualquer cultura se passam em um “passado remoto” não denominado e não denominável, e isento de ser “checado” com fatos, pois é baseado no imaginário de uma cultura, não em eventos específicos.

Pode parecer um detalhe bobo, mas entender mitos como relatos históricos primitivos, como parece ser o caso nesse filme, muda fundamentalmente a compreensão e subseqüente narrativa dos mitos. A pretensão de fixar uma data cronológica para uma narrativa mítica denota uma pobreza de estudo sobre o tema que só faz reforçar o pé atrás com esse filme. Pode-se citar como defesa a corroboração de achados arqueológicos que indicam essa data, mas aí remontamos à questão básica das pesquisas científicas: não é o achado que estabelece o fato, mas sim o investigador, com suas tendenciosidades e necessidade pessoal de estabelecer uma medida “científica” para o mito, atendo-se à incompreensão fundamental de o que seja um mito.

Sem falar que séc. XII A.C. seria uma data muito recente para tais eventos, se se pensar que no séc. VII A.C. já tínhamos a Grécia Clássica, da Razão, uma cultura onde o pensamento mítico já estava há muito morto, e os mitos já haviam se tornado apenas histórias mortas escritas.

* * *

Hoje, naquele esquema de ficar com a televisão ligada enquanto se faz outra coisa, esbarrei em um thriller vagaba no Telecine “O Poder da Mente” (Unspeakable). Nem um pouco memorável, a não ser por uma cena na qual eu reparei, onde rola uma chupada descarada e mal-feita da cena da queimadura química em ”Fight Club”, com todo o monólogo do Tyler adaptado à base de sinônimos mal disfarçados declamados por um genérico dele. Tá tudo lá, com direito até ao sujeito estar face-a-face com a protagonista, mantendo-a agarrada pelo ante braço enquanto declama seu plágio: aceitar sem temer a inevitabilidade da morte, Deus nos abandonou, sou o filho bastardo de Deus, etc., tudo igual mas pior, e sem a queimadura em si, pra ficar mais leve.

* * *

Hah, e finalizando a sessão IMDB de hoje, confiram isso, Mad Max IV! Síndrome da continuação caça-níquel? Então vamos todos cantar juntos para o Mel Gibson a música-tema de Mad Max III:

”Out of the ruins
Out from the wreckage
Can’t make the same mistake this time
(...)
We don’t need another hero”

Tina Turner – “We Don’t Need Another Hero”


posted by Manhaes at 1:55 AM
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segunda-feira, março 15, 2004

 

Wishlist

Pelo preço dos livros no Brasil, adições significativas a bibliotecas pessoais em geral só são possíveis à base de sebos e “saldões”. Têm alguns livros essenciais que eu preciso ter, eles são difíceis de achar em sebos, mas às vezes aparecem, então se alguém vir algum deles por aí, por favor atire primeiro e pergunte depois, segure e me avise! E, como meu aniversário está chegando, se alguém quiser me dar algum de aniversário também tá valendo... ;)

W. Reich - Psicologia de Massa do Fascismo
W. Reich - Análise do Caráter
Foucault - Microfísica do Poder
F. Capra - Ponto de Mutação
Harold Bloom - Shakespeare: A Invenção do Humano

Esse último duvido que role em sebo, é de 2000, e tá nas livrarias a módicos 90 reais, mas não custa desejar, né?


posted by Manhaes at 3:26 PM
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domingo, março 14, 2004

 

Para embalar o final de semana, vamos brincar de colagem com uma música manjadíssima e uma lado B de duas bandas germinais e muito queridas aqui nesse blog, Sisters of Mercy e Bauhaus:

"Pass the crystal, spread the tarot
In illusion comfort lies
The safest way the straight and narrow
No confusion no surprise"

Sisters of Mercy - "Alice"
E
"She blamed him for stoking up controversy
In a dreamworld
It's a long way down from Heaven's gate
In the absence of a jury
The case continues"

Bauhaus - "1. David Jay 2. Peter Murphy 3. Kevin Haskins 4. Daniel Ash"


posted by Manhaes at 2:03 AM
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quinta-feira, março 11, 2004

 

"Freedom is the freedom to say that two plus two makes four. If that is granted, all else follows"
George Orwell


posted by Manhaes at 1:43 AM
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domingo, março 07, 2004

 

No fôlego da citação anterior -- necessariamente não comentada pois qualquer comentário apropriado ali seria quilométrico – uma outra semelhante. “The Fool on the Hill”, nos apresentando mais um contemplativo homem santo. De quebra, reparem se o verso em negrito não é uma das construções literárias mais lindas que vocês ja viram.

”Day after day, alone on the hill
The man with the foolish grin is keeping perfectly still
But nobody wants to know him, they can see that he’s just a fool
And he never gives an answer
But the fool on the hill sees the sun going round
And the eyes in his head see the world spinning round

Well on the way, head in a cloud
The man of a thousand voices talking perfectly loud
But nobody ever hears him, or the sounds he appears to make
And he never seems to notice
But the fool on the hill sees the sun going round
And the eyes in his head see the world spinning round

And nobody seems to like him, they can tell what he wants to do
And he never shows his feelings
But the fool on the hill sees the sun going round
And the eyes in his head see the world spinning round

He never listens to them, he know that they’re the fool
They don’t like him
But the fool on the hill sees the sun going round
And the eyes in his head see the world spinning round”

The Beatles – “The Fool on the Hill”


Pela maneira como cada vez mais eu me fascino com esses tolos sagrados, antes dos cinqüenta eu sigo o mais fascinante deles e me torno Franciscano.


posted by Manhaes at 1:19 AM
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sábado, março 06, 2004

 

”Standing on the waters casting your bread
While the eyes of the idol with the iron head are glowing.
Distant ships sailing into the mist,
You were born with a snake in both of your fists while a hurricane was blowing.
Freedom just around the corner for you
But with the truth so far off, what good will it do?

Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.

So swiftly the sun sets in the sky,
You rise up and say goodbye to no one.
Fools rush in where angels fear to tread,
Both of their futures, so full of dread, you don't show one.
Shedding off one more layer of skin,
Keeping one step ahead of the persecutor within.

(chorus)

You're a man of the mountains, you can walk on the clouds,
Manipulator of crowds, you're a dream twister.
You're going to Sodom and Gomorrah
But what do you care? Ain't nobody there would want to marry your sister.
Friend to the martyr, a friend to the woman of shame,
You look into the fiery furnace, see the rich man without any name.

(chorus)

Well, the Book of Leviticus and Deuteronomy,
The law of the jungle and the sea are your only teachers.
In the smoke of the twilight on a milk-white steed,
Michelangelo indeed could've carved out your features.
Resting in the fields, far from the turbulent space,
Half asleep near the stars with a small dog licking your face.

(chorus)

Well, the rifleman's stalking the sick and the lame,
Preacherman seeks the same, who'll get there first is uncertain.
Nightsticks and water cannons, tear gas, padlocks,
Molotov cocktails and rocks behind every curtain,
False-hearted judges dying in the webs that they spin,
Only a matter of time till night comes stepping in.

(chorus)

It's a shadowy world, skies are slippery gray,
A woman just gave birth to a prince today and dressed him in scarlet.
He'll put the priest in his pocket, put the blade to the heat,
Take the motherless children off the street
And place them at the feet of a harlot.
Oh, Jokerman, you know what he wants,
Oh, Jokerman, you don't show any response.”

Bob Dylan - “Jokerman”
[ou então na versão do Caetano Veloso, que também não faz feio]


posted by Manhaes at 12:16 AM
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sexta-feira, março 05, 2004

 

Frase do dia

Encontrei como assinatura em um fórum qualquer; leiam em voz alta para obter melhor efeito.

"I'd rather have a bottle in front of me than a frontal lobotomy."


posted by Manhaes at 1:58 AM
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quinta-feira, março 04, 2004

 



Não há muito de útil para se falar sobre esse filme que não tenha sido dito ou que não seja spoiler. Tim Burton dá mais um desfile de cenários meticulosos ambientando uma bela narrativa de conto de fadas, mostrando que está mais aguçado do que nunca. Especialmente mais aguçado do que nos seus últimos dois trabalhos, o meia-bomba “Planeta dos Macacos” e o pouco-mais-do-que-cenários-e-figurinos-bonitos “Sleepy Hollow” (que embora eu fale meio mal, eu tenho uma action figure perfeita do Icabod Crane com seus instrumentos na minha prateleira).

Embora, como algum crítico de jornal comentou na semana de estréia, o Tim Burton às vezes erre no ritmo da narrativa, ainda assim consegue contar uma história encantadora, acima de tudo pela paixão contagiante com que é contada. Apesar dos momentos de “intervalo” onde a coisa fica meio arrastada, a gente sai do cinema querendo ficar mais um pouco, como quando a gente está prestes a despertar de um sonho e tenta se agarrar a ele, ou torce para que possa voltar a ele posteriormente.

Esse filme marcou também a manutenção de duas tendências pessoais. O Tim Burton pode ter abandonado em parte seu nepotismo, substituindo seu xodó Johnny Depp pelo Ewan McGregor, o que me pareceu uma escolha acertada, já que o charme de bom garoto do McGregor se encaixou bem melhor no pesonagem do que poderia o charme de underdog conturbado do Depp. Por outro lado, é o segundo filme seguido onde emprega a namorada Helena Bonham Carter. Além é claro de ser o enésimo filme com trilha sonora do Danny Elfman. Nada contra, claro, só sai coisa boa daí!

O que nos traz à segunda tendência pessoal, a da Helena Bonham Carter a só fazer personagens bizarros. Depois de uma deficiente mental, de Marla Singer e de macaca sósia de Michael Jackson, ela veio de bruxa!



É, é ela! Sem dúvida ao escolher um papel ela deve se perguntar que coisa esquisita ela ainda não fez. Correm boatos de que no seu próximo filme ela vá interpretar um liqüidificador...

E por fim, infelizmente esse filme é mais uma das vítimas da compulsão das distribuidoras nacionais a acoplar sub-títulos infelizes: seguindo a tradição de “Commitments – Loucos Pela Fama”, Big Fish em alguns veículos está sendo anunciado como “Peixe Grande e Suas Maravilhosas Histórias” (pode não ser “maravilhosas”, de repente “incríveis” ou “extraordinárias”, algo exagerado do gênero). Parece uma daquelas imagens absurdas de Simpsons, um peixe gigante sentado no sofá com um cachimbo, contando histórias pros netinhos. Por sorte eles se tocaram de que não teria como enfiar isso na bela figura do cartaz, então lá pelo menos o título escapou.

Agora vamos ver ano que vem o que ele nos trará com Charlie And the Chocolate Factory, remake de "A Fantástica Fábrica de Chocolates". Mais uma no clima de conto de fadas com -- sim, ele! -- Johnny Depp como Willy Wonka. Será que o Wee Man de "Jackass" vai fazer ponta como um dos oompa-loompas? Ele a caráter passeando de skate por uma praia de Los Angeles ao som de um remix techno da música dos oompa-loompas foi impagável!


posted by Manhaes at 2:58 AM
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segunda-feira, março 01, 2004

 

Sim o Oscar é uma baita máfia, sim a premiação é sujeita aos lobbys milhonários das campanhas feitas pelos estúdios, sim muitas vezes o banal e comercial é consagrado por um senso-comum norte-americano medíocre. Não obstante, não posso negar que me flagrei comemorando ao ver a poderosa Annie Lennox levando o Oscar de Canção Original por "Into the West" de "Senhor dos Anéis" (só peguei a partir daí, não vi quais que levou antes). Tampouco posso negar a emoção crescente ao ver o Peter Jackson garfando sucessivamente Roteiro Adaptado, Melhor Diretor e, como não, Melhor Filme. O que dizer? Eventualmente o comercial esbarra no artístico com sucesso.

E para os intelectualóides nacionalistas de plantão, que sempre que algum brasileiro concorre a alguma premiação sacam um amor oportunista à pátria, fica o recado:
"Cidade de Deus é o caralho, meu nome é Peter Jackson!".


posted by Manhaes at 3:27 AM
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