"Patterns all around you
Patterns everywhere
Patterns of behaviour
Sometimes seem unfair
Can you recognize the patters that you find?
Patterns unfamiliar
Patterns lead you through
Patterns of discovery
Tracing out the clues
Can you recognize the patterns that you find
Stuck in your mind?
In this land where stability is hard to find
You can rearrange the patterns so unkind
Don't bother asking why
A pattern never cries
Old patterns never die
They just go on and on
Patterns multiplying
Redirect our view
Endless variations
Make it all seem new
Can you recognize the patterns that you find
Stuck in your mind?"
Essa música é um dos raros momentos em que o Devo fala sério, com um tom de relativa sobriedade em comparação com o repertório geral deles. Nela eles usam sua simplicidade característica para acertar na marca da questão, de uma maneira tão despretensiosa e direto ao assunto que pode até ser tomada como banal ou passar despercebida, contrabandeada no meio de toda a curtição descontraída de se ouvir um disco do Devo.
Mais do que ficar na posição de resmungar "como a vida é complicada" e não fazer nada a respeito, essa música vem como uma denúncia e uma provocação: "você tá aí empacado dando voltas no mesmo lugar e nem se dá conta; vai recohecer e sair dessa, ou vai continuar na segurança dessa repetição?". Isso vem particularmente forte na última estrofe, que fecha com chave de ouro, "endless variations / make it all seem new", uma singela jogada na cara sobre o esforço de não se perceber os padrões e repetições, ao se prender nas pequenas e circunstanciais variações de enredo que servem para fingir (mal) que cada recorrência é algo novo.
Essa música está citada aqui com dedicatória, mas não nominal: ela fica ao portador, "a quem interessar possa", por se aplicar não a esta ou àquela pessoa, mas sim a uma maioria tão absoluta de nós. Fica apenas a critério de cada um perceber que o assunto lhe diz respeito e em que ponto, eventualmente admitindo onde que o sapato aperta -- pois, ainda que com "eternas variações", ele aperta pra todo mundo.
"Yes, I can love my fellow men / But I'm damned if I'll love yours" Sisters of Mercy - "I Was Wrong"
Sem nenhum motivo em particular, apenas porque me lembrei esses dias desses versos, que poderiam servir como slogan misantropo -- se isso não fosse uma contradição. Então ficam as palavras do cínico Andrew Eldritch, para manter uma sempre recomendável dose de misantropia, de quebra lembrando as raízes etmológicas deste blog no Sisters.
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Uma errata: o Ben Zelkowitz de "The Erlking" é canadense, não norte-americano. Eu sabia que tinha visto alguma coisa sobre ele ser canadense, mas me confundi por ele ter se formado no California Institute of Arts. The Erlking inclusive é distibuído pela já mencionada NFBC - National Film Board of Canada (ou ONFC - Office National du film du Canada, se preferir) que, no que diz respeito a animações, vem quase como um selo de garantia de qualidade. Folhear o catálogo da agência é recapitular algumas das melhores animações passadas no Anima Mundi, e essa animação é ao mesmo tempo mais uma corroboração e causa da minha tendenciosidade favorável às animações canadenses.
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No mais, hoje me ocorreu a última peça para fechar a gestalt e completar (creio) a customização temática deste blog, inserindo uma das frases mais fortes e esperançosas de 1984 no comments.
(Continuando comentários retardatários sobre o Anima Mundi (que já acabou no Rio, já teve em São Paulo, e já teve até a premiação final)
É inviável (além de extremamente monótono) comentar todas as animações que me pareceram dignas de nota esse ano, mas uma em particular me chamou a atenção, "Der Erlkoenig" do alemão Hannes Rall. Feita em desenho tradicional, ela conta em poema a passagem de um homem e seu filho febril por um bosque numa noite tempestuosa (claro), e as visões que a criança tem do "Rei dos Elfos", uma entidade ao mesmo tempo sedutora e aterrorizante, que vem tentar a criança e levá-la a seu reino. Tecnicamente ela é regular, mas é envolvente pelo ritmo e, acima de tudo, pela interpretação do narrador, que consegue alternar a sedução insinuosa do elfo, o conforto cético do pai, e o terror acuado da criança.
O leitor mais culto que eu deve estar me xingando, "Isso aí é o poema 'Erlkönig' do Goethe, seu imbecil, o ritmo envolvente é do próprio poema!". Sim, eu sei, ou melhor, fiquei sabendo, nos créditos.
Quando eu vi o título dessa animação na programação ele me soou familiar, e ao assistí-la eu percebi que realmente já havia visto uma animação com o mesmo tema. No Anima Mundi do ano passado eu havia visto a animação "The Erlking", do americano Ben Zelkowicz, e na ocasião eu fiquei sabendo (para subseqüentemente esquecer) que se tratava de um poema de Goethe. Foi me tocando da recorrência do tema que eu resolvi me informar a respeito.
Essa outra versão (cujo cartaz ilustra o post) é uma animação em areia, um processo lento e minucioso (logo raramente usado) que gera um resultado belíssimo, e é embalada pela também belíssima música de Schubert inspirada no poema. Essa animação tem um site próprio, com um trecho da animação disponível em quicktime que tem que ser visto, além de informações sobre a técnica usada, fotos, e o poema em inglês.
Quanto ao poema, fiquei curioso por ver duas animações inspiradas nele, e realmente, uma amiga alemã me confirmou que ele é leitura básica por lá, sendo bastante conhecido não só em círculos literários (e a gente lendo José de Alencar no colégio...). Além da versão em inglês no site acima, encontrei uma outra (com certamente mais diversas outras por aí), cada uma com pontos fortes e fracos alternados, tornando interessante ler as variações das duas. Tem também a original em alemão. Em última hipótese tem ainda uma versão em português que, apesar de bem feita, toma liberdades abusivas a fim de manter as rimas, tomando uma forma bastante variada do original
Enfim, além de serem boas animações por si só, ambas servem como exemplo de como a cultura "pop" e suas formas "sub-artísticas" de expressão serve como veículo de reviver trabalhos clássicos e trazê-los a um público que não as teria conhecido no original.
"My father, my father, o can you not hear
The promise the ErlKing breathes in my ear?"
Então, houve uma alteração discreta na temática assumida por este blog. Discreta, apenas detalhes cosméticos, nem na grade de cores eu me aventurei. Tomei como tema o "Chestnut Tree Café" (junto com os ilustrativos versos de "Betrayal"), esse triste e ambíguo local de "1984", símbolo de início e término da esperança: anteriormente teria sido um lugar onde os esperançosos se reuniam para planejar uma revolução; e, no presente da história, é o lugar onde estes outrora esperançosos, agora sombras arruinadas e domesticadas sem esperança, se reúnem para relembrar enquanto aguardam seu final determinado pelo Partido, ironicamente o produto da própria revolução.
Não pensei muito no significado dessa escolha, para além de sua representação óbvia: às vezes a gente consegue encaixar raciocínio e intuição em um único pensamento integrado, daí não precisa pensar muito, a gente sabe que tal escolha é apropriada, e pronto. Só digo, para eventuais interpretadores, que ela não tem maiores significações íntimas ou pessoais, esse tema é tomado no significado primariamente social que tem no original.
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De resto, dei uma atualizada em links:
-Adicionei o essencial Virtual Bookstore, site nacional que disponibiliza na íntegra textos clássicos (i.e. que não têm mais direitos autorais) em pdf, txt e/ou doc, e cuja sessão de autores estrangeiros é na verdade mirror do Project Gutemberg, que tem a mesma proposta em maior escala. No site principal do P.G. os livros, mesmo os de outras línguas, são encontrados todos em inglês, mas ele tem mirrors em diversos outros países, sendo possível, por exemplo, encontrar Goethe original no mirror alemão.
Vale mencionar que esse projeto ambicioso busca dar à internet a sua grande utilidade potencial mas raramente realizada: tornar a cultura escrita acessível a um número cada vez mais amplo de pessoas. Por isso se intitula à imagem de Gutemberg que, para os incautos, foi o inventor da prensa mecânica, uma das invenções mais importantes da modernidade, por permitir a reprodução de livros em quantidade e velocidade sem precedentes, viabilizando a expansão cultural do Iluminismo.
-Adicionei também o site oficial do H.R. Giger, já citado por aqui, pintor suíço reconhecido pelo próprio Dali como "um digno continuador do surrealismo". Eu tenho uma quadro dele tatuado no braço, deslize meu não ter colocado o site dele antes. Complementando, tirando o "hr" da url você encontra o "site oficial americano", que também é bom, mas aparentemente é produto da tendência norte-americana a só reconhecer como oficial o que for deles, completamente desnecessária no caso, já que o oficial é bilíngüe inglês/alemão.
-Adicionei o site do IMDB, freqüentemente mencionado por aqui, meio óbvio, mas não custa nada constar pela completude.
-Dos blogs removi o falecido "Neurociência das Chicks Peitudas" do Hazel, já fora do ar, e o "Idéia Ordinária" do Will, este em oficial estado de abandono, além de outros por motivos diversos. Adicionei os blogs musicais Eletroboogie do Edinho e Indie Music Is Not Dead[NOTA: não me comprometo com a afirmação!] da Anny, ambos boas fontes de cultura musical. Adicionei também o RTFM (de "Read The Fucking Manual", deliciosa interjeição de fóruns e listas de discussão), raro fruto da busca por vida inteligente na internet, leitura pertinente. Por fim, re-adicionei o Boneca, nem sempre tão pertinente assim, mas que tá valendo também.
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Por fim, um pedido: meu sistema de comments parece estar com problema, não tenho conseguido fazer nenhum comentário-teste nele. Caso alguém mais tente comentar e não consiga, por favor me mande um email avisando, pra eu ver o que faço. Valeu!
Não, eu não vou tornar um hábito ficar postando tiras do Sinfest aqui, quem quiser acompanhar que vá no site ver ou se inscreva para receber. Mas a confluência de dois interesses dessa tira de hoje, um citando o outro, me obrigou a fazê-lo mais uma vez. E eu vou adiando um pouco mais a faxina aqui (que não é sem relação com a referência), logo mais eu resolvo:
Para quem não conhece ou não identificou, esses são os slogans do Partido em "1984". O Tatsuya citando o George Orwell foi bom demais para dara deixar passar. E vocês estão vendo, não sou só eu que acho que o cenário atual (não só a guerra santa do George Bush, mas o cenário geral) ainda continua tão perigosamente próximo desse destino quanto quando o livro foi escrito, há 50 anos, ao ponto dos slogans totalitaristas do Partido serem válidos como paródia atual, sem sequer precisar de adaptação.
Bom, o Anima Mundi ainda está pela metade aqui no Rio, mas após duas sessões sexta, duas hoje (segunda) e doze no fim de semana, em expediente de 13h às 22:30h sábado e domingo, eu já assisti a maioria do que vou assistir (o resto da semana vai ser só algumas pingadas em final de dia), então já dá pra fazer umas considerações e recomendações pra quem ainda vai pegar no Rio ou em São Paulo. Pena que esse blog tem feito a assombrosa marca de cinco visitas por dia, então essas recomendações sequer vão ter muito uso, mas enfim...
-Esse ano a "Praça Animada" no Espaço Cultural dos Correios sofreu um upgrade, está um luxo só (no sentido literal da palavra, não no sentido traveco): tendo sido ampliada e vedada, ela é agora a sala principal do evento, tendo as sessões da mostra competitiva concentradas lá, ao longo do dia todo, não apenas à noite como antes. O esquema ficou meio burocrático, mas é coisa de lugar luxuoso, fazer o quê: você entra pela sala de cinema do Correio, que ficou servindo como sala de espera onde fica passando o dvd do "Melhor do Anima Mundi vol.II"; e você sai por uma passarela que dá direto na Casa França-Brasil, que foi apropriada para o evento e ficou servindo como um lounge muito bem decorado com a maioria das oficinas, de quebra desafogando o saguão do CCBB, que ficou só com a oficina de pixelation (EU ODEIO PIXELATION!!! leia abaixo). A vedação de som não está perfeita, mas também com operários fazendo reforma na fachada adjacente do CCBB fica difícil, rola uma serra eventual ao fundo nas sessões em horário comercial.
-Longa do Bill Plympton é longa do Bill Plympton, né? Para o público em geral ele é mais conhecido como "o cara que fazia a vinheta do 'Sábio' na MTV", mas para os freqüentadores do Anima Mundi ele já é querido há anos, em cada edição tem ao menos um curta dele. Esse ano tem "Hair High" que, embora não seja tão escatológico e absurdo como "Mutant Aliens" que passou em 2002, é muito bom, com a abundância de exageros desnecessários e indigestos que a gente ama no trabalho dele. E como o filme se passa naquele cenário típico de high school americana dos anos 50 (com direito ao rapaz franzino se apaixonando pela líder das cheerleaders, que é claro namora com o capitão do time de futebol, etc.), com ênfase em cabelos armados de laquê e topetes gigantescos, é uma diversão adicional pra esses abílios por aí que se amarram no estilo.
-Parece que "Wonderful Days" já estava sendo aguardado pelos fãs de anime e/ou computação, e merecidamente. Essa é provavelmente a animação em 3D mais perfeita que eu já vi, com paisagens que em vários momentos podem convencer como reais, pondo no chinelo muito "Matrix" e "Star Wars" por aí (poisé, esses coreanos fazendo desenho fizeram algo melhor do que Lucas e irmãos Watchafuck fazendo "filme de verdade"...). A computação é tecnicamente impecável, embora falte no emprego dado a ela um pouco mais do zelo e empenho que transpareceram em "Final Fantasy" (que até então detinha pra mim o título de "computação que mais me fez babar"). Mas, onde faltou zelo eles compensaram com humildade: reconhecendo que há pontos em que o cgi ainda não dá conta, eles não tiveram nenhum problema em usar desenho tradicional e até (eu acho) maquetes, de modo que o cgi só é usado onde é garantido que ele vá fazer bem. Figuras humanas, fogo, fumaça e água, os calcanhares-de-aquiles da computação gráfica, foram feitos com desenho, deixando o longa esteticamente redondinho.
Mas, como é típico em animações de computação, nem um décimo do empenho dado ao gráfico foi dado à história: na mentalidade de que o que está importando ali são os cenários e imagens, eles remendaram um enredo meia-bomba qualquer, pretexto para o show visual. Terra devastada por abuso tecnológico e poluição, humanidade sobrevivendo graças a um imenso complexo tecnológico que consome a poluição, mas os "powers that be" preferem que a Terra continue poluída ao invés de limpá-la, coisa que está ao seu alcance com a nova tecnologia. Tecnologia essa cujo inventor foi banido por querer popularizar os benefícios de sua invenção, e agora lidera um grupo de resistência que tenta derrubar o monopólio, e usar a grande-gigantesca-mega-ultra-máquina que em um piscar de olhos pode mudar radicalmente a atmosfera do planeta. Se essa descrição te trouxe à mente "Highlander II" ou "Vingador do Futuro" eu consegui descrever bem, é por aí, e com clichês menores salpicados ao longo.
Mas vejam bem, recomendo e muito esse filme! Admitamos, em uma animação dessas o enredo é o de menos, o lance é o passeio estético mesmo.
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Agora, minha recomendação maior fica para a sessão 7 da mostra competitiva. Por experiência, em uma sessão média do Anima Mundi você pode esperar uns 2-3 curtas muito bons (com sorte dentre eles um excelente que sozinho já valha a sessão), o resto mediano, com mais uns 2-3 irritantes (EU ODEIO PIXILATION!! Outro dia eu elaboro a respeito), seja lá por quais forem seus critérios. Pois essa sessão foi muito acima dessa média: dos 10 curtas dela, eu só votei menos de 4 (numa escala de 1 a 5) em três deles (um deles era, sim, pixilation), com vários 5. Se você é daquelas pessoas que vão dar um pulo ao acaso e pegar uma sessão pingada qualquer, façam o possível para que seja essa. Alguns deles merecem destaque:
.Boys Night Out: Uma comédia super boa-praça que abriu a sessão, em um traço bonitinho e inofensivo sobre um padrasto que, deixado tomando conta do enteado por uma noite, decide levá-lo a um strip-club. Consegue brincar com vários absurdos e baixarias sem arregaçar demais, com uma habilidade que conseguiria driblar qualquer censor.
.O Curupira: Esse eu aposto que vai ficar entre os vencedores. Animação de qualidade para agradar a galera da técnica, humor para agradar a galera que acha que desenho TEM que ser divertido, temperado com um pouco de suspense, e folclore nacional para agradar os nacionalistas de plantão, esse curta balanceia todos os ingredientes certos para ser premiado. E merecidamente, é realmente muito bom, não é que eles conseguiram fazer um curupira realmente assustador? Agora, pra gente ver, custa fazer animação direito? A maioria dos animadores brasileiros ou faz uma computação estéril e formalista, ou, numa geração mais recente, reciclam o anime da moda, ou, mais comum, algo muito precário e tosco, não por falta de recursos mas por estilo, acreditando, parece, que "brasilidade" é sinônimo de precariedade. Enquanto cultura e folclore nacionais forem necessariamente associados a trabalhos barrocos e rudimentares, é claro que tais trabalhos vão ser menosprezados, nem eles se dão ao valor! E por que diabos essa moda continuada de se meter o Matheus Machtergaele em todo canto? Essa é a segunda animação que eu vejo nesse festival com a participação dele (narrador, no caso), haja super-exposição!
.Oïo: Um trabalho abstrato que tinha tudo pra ser mais um daqueles virtuosismos chatérrimos, mas longe disso, consegue envolver evocando ritmo e emoção, e não aquela contemplação masturbatória pós-moderna. Um show de ondas, esguichos e gotas de tinta feitas em computador, embalado em vários movimentos musicais diferentes. Acreditem, descrevendo parece um porre, mas é delicioso!
.La Routine: Não tem jeito, eu sou apaixonado pelos quadrinhos franceses de modo geral, eles têm um estilo inconfundível que você pega no ar. Assim, é inevitável que as animações francesas que apresentam fidelidade a esse estilo são chover no molhado comigo, ainda mais por puxarem o viés existencialista tão comum na literatura francesa. Esse aqui mostra um senhor no meio da multidão de um trem no início ou final do expediente (representada por vultos difusos e indistintos, marcando a indigência da situação), e as fantasias que ele começa a ter com o cenário, com o maquinário ao seu redor se transformando em uma linha de montagem fantástica operada e habitada por duendes e afins. É lindo, naquela beleza e simplicidade que a animação francesa pode ter.
[esse aqui eu tive que editar, algum enter ou backspace inadvertidamente tinha comido umas três linhas, truncando o texto.]
Vale um aparte pra mencionar que, na herança dos quadrinhos e animações franceses, as animações canadenses também tendem a ser no mínimo merecedoras de se conferir, o país vem sempre bem representado no Anima Mundi. Com uma raiz forte na França, elas têm mais em comum com ela do que com seus vizinhos, e eventualmente acabam unindo o melhor de dois mundos, atenuando os extremos de ambos: o existencialismo e a estética franceses e o funcionalismo pragmático norte-americano. Uma animação ser aberta pela vinheta da NFO (National Film Board) Canadense quase sempre é bom sinal.
.Giant Leap - "My Culture": Esse na verdade é um videoclip que vem sendo massacrado pela Sony em seus intervalos, mas fora desse contexto a gente consegue ter uma boa vontade maior para vê-lo. Animação básica mas bem trabalhada, e não é que a música é até boa, e visto com legenda a gente se toca de que tem uma letra bem interessante (procurem aí). E tem participação do Robbie Williams, canastrão do brabo, mas que até que é gente boa, depois que a gente supera a antipatia. E lembrando que ele até já é da casa no Anima Mundi, já que foi ele quem dublou os dois desenhos do "Robbie the Reindeer", mencionados aqui no Natal passado.
.Guard Dog, curta do Bill Plympton fechando a sessão, need we say more?
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Mas, acima de tudo, essa sessão 7 vale por "Killing Time at Home", um belo e doloroso curta mudo embalado por uns arranjos reminescentes de Radiohead. Sua sinopse diz que "For someone isolated from the outside world, all that's left to do is kill time, and for some, the only way to make friends is to grow them." Esse desenho é composto de tal forma que cada cena, cada detalhe e som soletram a emoção (no caso a apatia) que ele quer expressar, com um domínio e concisão de linguagem digno de poucos. Certamente de alguém com vasta experiência, não alguém recém-formado (o curta é de 2003, seu diretor Neil Coslett se formara em 2002), o que só faz aumentar a admiração. Ah sim, formalmente ele também é muito bom, tecnicamente bem feito e tal, mas, ao contrário de vídeos de computação gráfica, isso nem é o mais importante aqui.
Para aqueles que não vão poder assistir no festival, não é que ele está na íntegra e com resolução bem razoável aqui? Notem que não é nenhuma pirataria, é o prório site dos vencedores do Mesh, uma premiação anual do Channel 4 inglês. Depois, vale passear pelo resto do site e ver os demais vencedores do Mesh.
Mas não se esqueçam de, em algum momento nesse meio tempo, comprar o seu "Zinc Dude" no:
Música do dia:
"...eu me organizando posso desorganizar
...eu desorganizando posso me organizar"
Assim a seco mesmo, por que ontem não teve nenhuma, e por que hoje eu passei o dia com esse refrão na cabeça, de "Da Lama ao Caos" do Chico Science, perda prematura. (Sim, eu sei músicas em português! :P)
"Da Lama ao Caos - Chico Science
Posso sair daqui para me organizar
Posso sair daqui para desorganizar
Da lama ao caos, do caos à lama
Um homem roubado nunca se engana
O sol queimou, queimou a lama do rio
Eu vi um Chié andando devagar
Vi um aratu pra lá e pra cá
Vi um caranguejo andando pro sul
Saiu do mangue, virou gabiru
Oh Josué, eu nunca vi tamanha desgraça
Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça
Peguei o balaio, fui na feira roubar tomate e cebola
Ia passando uma véia, pegou a minha cenoura
Aí minha véia, deixa a cenoura aqui
Com a barriga vazia não consigo dormir
E com o bucho mais cheio comecei a pensar
Que eu me organizando posso desorganizar
Que eu desorganizando posso me organizar
Da lama ao caos, do caos à lama
Um homem roubado nunca se engana"
Há anos que Julho no Rio de Janeiro (e imagino que em SP também, com pequenas variações) é assim: primeiro você larga 30-50 reais no CCBB e demais salas (se pagar meia entrada, se não dobra o valor), pra depois passar uma semana enfurnado em uma maratona frenética tentando ver o máximo possível de sessões, durante a qual você gasta mais uns tantos reais no acervo especial que a livraria do CCBB disponibiliza nesse período, e se alimenta com uma dieta a base de suco de melancia e sanduíche de frango empanado na Casa dos Sumos da rua da Quitanda.
É, galera, Anima Mundi na área, todas as outras prioridades são secundárias... Quem for (e me conhecer pessoalmente) me procure na Praça Animada, em qualquer dada sessão as chances são de que eu esteja lá. Sério, pra qualquer um que aprecie animação como algo mais do que "coisa divertida de criança" o Anima Mundi é parada obrigatória. Assistir às cegas o maior número possível de sessões de curtas (e o eventual longa do Bill Plympton, claro!) te garante ter contato com uma salada cultural de todos os cantos do mundo, que além de um belo discurso globalizado, tem o efeito mais prático e útil de nos mostrar as dimensões que a animação pode ter para além dos confins do que é feito nos EUA. E no meio delas você sempre pesca alguma pérola linda à qual você nunca teria tido acesso, e mesmo quando é apenas uma no meio de umas 6 ou 7 por sessão, só isso já faz valer o processo.
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Bom, tenho andado sem a menor disposição de escrever por aqui, semana passada esse blog completou um ano e eu nem fiz nada a respeito, logo mais vou fazer umas mudanças cosméticas, falar alguma lenga-lenga conceitual sobre o blog, etc.. Mas com o Anima Mundi começando, ainda não vai ser nesse momento... :P
Por hora, enquanto eu não escrevo nada de útil, ao menos a Anny Shoegazer escreve, confiram lá no blog dela (que por sinal tá pra entrar nos meus links quando eu mexer no template) uma aula sobre história da música inglesa contemporânea, começando com os selos 4AD e Beggar's Banquet, só coisa boa...
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Hoje eu vi, em um episódio antigo, o que talvez tenha sido o quadro mais revoltante que eu já vi no Saturday Night Live: o rapaz leva a moça para almoçar na casa dos pais em seu segundo encontro, e durante a conversa o pai casualmente pega uma garfada do prato do filho, mastiga, se levanta e cospe a comida mastigada na boca do filho, com os dois se arqueando e fazendo caras como se fossem uma ave e seu filhote. A comida era real, estava realmente mastigada, e realmente caía na boca do filho. Tudo bem que depois a câmera mudava, presumivelmente pro cara cospir a comida, mas o impacto da cena, repetida mais três vezes, permanecia. Deplorável... :P