Folheando o jornal de ontem, tropecei na nota sobre um ocorrido que me despertou um lampejo daqueles bairrismos segregacionários e elitistas bem feios que a gente tenta suprimir mas vez por outra vêm à tona. Como em geral eu me considero mais honesto do que politicamente correto, e como -- é triste admitir – às vezes discriminação e verdade se tangenciam, não suprimo e comento aqui.
Em plena madrugada chuvosa de Quarta-Feira de Cinzas, um grupo de 20 pessoas muito sem nada para fazer convergiu espontaneamente ao elevado da Perimetral (Centro do Rio, para leitores não-locais) para assistir durante uma hora o transatlântico Queen Mary 2 partir da cidade. Tudo bem, o navio é realmente majestoso, mas francamente, essa aí superou ir para aeroporto ver avião decolar! Bando de colono embasbacado com “essas coisas lá de fora”, é muito deslumbramento, imagino o acervo de xingamentos que deve ter sido repassado mentalmente pelos policiais que tiveram que ser mobilizados para o local para prevenir que algum desses infelizes fosse atropelado no meio de uma via expressa. Tudo bem, outro dia passando por baixo da Perimetral eu enverguei o pescoço para ver o transatlântico que se erguia sobre os armazéns, e realmente pensei “porra, é grande mesmo” durante uns segundos enquanto o ônibus passava, e chega, não é pra tanto. Mas não, mané vai lá ficar uma hora parado às 5 da manhã sob chuva no meio do viaduto, pra ficar vendo aquela coisa imensa se arrastar lentamente rumo à entrada da baía, não há majestade que impeça o anti-clímax desse espetáculo de lesma.
Admitamos, difícil não pensar “Puta que pariu, que programa de suburbano!”, daí fui logo ler os depoimentos e identificações das pessoas: filha e mãe aposentada vindas do Engenho Novo; um cara de Nova Iguaçu que pegou ônibus às 3 da manhã pra chegar lá; um pastor evangélico e sua esposa Jocelina em visita ao Rio, que dá até medo de perguntar de onde vieram. Bem, c.q.d., só suburbano mesmo! Para surgirem, estereótipos e preconceitos em algum momento se ampararam em fatos, acontece...
Feio, eu sei, podem xingar...
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O engraçado desses transatlânticos é que eles são, de fato, uns cruzeiros da morte, com centenas de putrefatos (e isso eu digo não por preconceito, mas por ampla experiência olfativa) casais de americanos octagenários. No hotel em que eu trabalhei, que eventualmente recebia parte dessas levas em sua escala no Rio, era corriqueiro ter algum desses hóspedes morrendo, e sim, era ao meu departamento que cabia prestar a assistência necessária ao cônjuge que sobrou. “Boa Viagem” nesses cruzeiros toma um sentido mais profundo e derradeiro, com certeza alguns desses velhinhos ao subir a bordo no início do cruzeiro devem perguntar “É esse aqui que vai pra Valinor?”.
Pode ser que isso explique o tamanho das malas dos infelizes. Talvez o extremo materialismo norte-americano tenha os levado a uma visão de pós-morte similar à do antigo Egito, com um toque de funeral viking. Ao partirem em sua barcaça fúnebre, eles levam consigo todos os seus bens materiais para acompanhá-los na jornada pelo além, resultando em volumes desumanos de bagagem. Sabe quando você ia viajar com a família no verão e vocês levavam aquela única mala enorme que mal cabia no porta malas, onde dava pra enfiar as roupas de todo mundo e mais um pouco? Cada um desses casais (e estamos falando de 100 a 200 casais fazendo check-in ao mesmo tempo em um hotel) trazia, em média, umas 3 malas dessas. Sem sacanagem, só pode ser isso!
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Deixando de lado esse combo de venenos e misantropia:
Por falar em Valinor, essa noite eu tive um sonho sobre Tolkien que me impressionou mas que, embora eu me lembre razoavelmente bem, não tá dando para narrar por escrito de jeito nenhum. Ainda mais que envolveria explicar referências e contextualizar, e se passar do pensamento para a linguagem escrita às vezes já é difícil, de inconsciente para escrita então nem se fala (literalmente), logo mais com sorte eu consigo esboçar uma pálida adaptação escrita. Nerdices à parte, foi uma elaboração bem bonita em cima de narrativas complementares feitas pelo Tolkien -- sem participação minha, eu não me sonhei correndo saltitante no meio de elfinhos tro-ló-li-ló, tá!?
Pra vocês verem que eu não estava exagerando quando falei em "influência duradoura no meu imaginário primitivo"! :P
Decidi desenterrar para mostrar por aqui umas paródias que eu fiz há uns oito anos atrás, ótimos exemplos de criatividade juvenil mal aproveitada. Eu sei, eu sei, paródias musicais de Star Wars, que inédito, mas eu arranhei essas pequenas adaptações lá nos idos de 1996, quando “Star Wars Cantina” do Weird Al ainda não rolava por aí, e quando o furor pré-Ep.I ainda era uma especulação nebulosa (logo, "Melô do Estauar" nem pensar). Em meados de 99 esse textos foram ao ar no Holocron, um dos primeiros fansites de Star Wars brasileiros mas, como de lá pra cá o site se perdeu nos troca-trocas de fãs brigando pra decidir quem ia ser “dono” disso ou daquilo (coisas de quem perde de perspectiva que era pra ser só entretenimento, e que só quem é realmente dono e ganha algo com isso é a titia George), acabou ficando fora do ar. Então, a título de infâmia de carnaval, fiquem vocês com “Hey Darth”, “Tiekiller” e “Stairway to the Force” que, devidamente embaladas pelas músicas originais, já valem como músicas do dia, extremamente carnavalescas:
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“Hey Darth” (ao som de J.Hendrix – Hey Joe)
Manhães 30/03/96
“Hey Darth, where you going with that mask in your head?
Hey Darth, where you going with that lightsaber in your hand?
I’m gonna have to kill my son.Ya know I caught’im practicing round his Jedi skills
I’m gonna kill my Jedi son.Ya know I caught’im messing round with some Rebel scum
Hey Darth, heard you ran Obi-Wan through
Hey Darth, heard you chopped your son’s hand off
Yeah I did, I chopped it.Ya know I caught’im messing round with that Kenobi guy
Yeah I did, I chopped it.Ya know I caught’im messing round with that Ackbar guy
( I lighted my saber, and I chopped it!)
Hey Darth, where the Rebels gonna run to now?
Hey Darth, where you gonna tyrannize now?
I’m going way down Endor, way down the Outer Rim way
I’m going way down Endor, way down where I can die free
Ain’t no Emperor gonna get no Dark Side around me”
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”Tie Killer” (ao som de Judas Priest - Painkiller)
Manhães 30/03/96
“Faster than an A-Wing
Lightning hyperdrive
Twisted and full of garbage
It’s half freighter and half junk
Driven by a smuggler
Blacklisted by a Hutt
Closing in with throttle soaring high
She is the Millenium
This is the Tie Killer
Aldeeran’s devastated
Leia’s on her knees
A savior comes from Mos Eisley
In answer to Luke’s pleas.
Through storming wings of fighters
Deflecting laser fire
Ties exploding are a deadly thrill
She is the Millenium
This is the Tie Killer
Older than the Old Republic
Safer than a thermal bomb
Control systems melting up soon
Get the hyperdrive on now
Gambling high on sabacc
With a Wookie mate, so brave
Boba Fett is gonna get ya
You’ll be frozen in your grave
With the Death Star now exploded
The Alliance did survive
Gonna need some time to check the drives
She is the Millenium
This is the Tie Killer
Hot-shot ace, Han Solo
Tearing limbs, Chewbacca”
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”Stairway to the Force” (ao som de Led Zeppelin – Stairway to Heaven)
Manhães 01/04/96
“There’s a farmboy who’s sure being a Jedi is fun
And he’s buying a stairway to the Force
When he needs droids he knows if the stores are all closed
With the Jawas he can get what he came for
There’s a vid on the droid but he wants to be sure
Cause he knows there’s a princess in distress
In a hut by the dunes there’s an old man who hides
Sometimes your neighbor is a Jedi Knight
There’s a feeling he gets when he looks at the sword
And his powers are crying for training
In his farm he has seen burned buildings and death
There were Stormtroopers there looking for him
Ben has whispered “we should go to Mos Eisley now
Then the smuggler will lead us to Aldeeran”
But the Death Star will come and shoot before long
And the whole Force will echo with slaughter
If there’s an old dwarf in your hedgerow don’t draw your blaster
It’s just old Yoda come to play the wise
“Yes, there’s the Dark Side you can go by, but in the long run
There’s still time to change and find the Light”
Your head is saying that you should go and help your friends now
Your father’s calling you to join him
“Dear Leia let’s go and save Han now. And did you know?
That just by coincidence we are twins”
And as the Rebels fight in space
The Ewoks help them reach their goal
There stands the tyrant we all know
Who casts Force-lightning and wants to show
How the Dark Side will win the war
But if Darth Vader disagrees
The good guys will have won at last
The New Republic is one and all
Until Thrawn spoils their show”
Desde antes de criar esse blog eu já tinha como certo que teria um link para a homepage do Tamagothi aqui, então mesmo tendo visto que estava fora do ar eu mantive o link na esperança de que voltasse. Passados vários meses, aparentemente a página saiu do ar de vez, e buscas no Google nos levam apenas a páginas com artigos e comentários sobre o Tamagothi, encaminhando para a extinta homepage (incluída aqui apenas por zelo). Nenhum mirror, nem o arquivo disponível em lugar algum, uma pena.
Assim sendo, vou fazer um pequeno gesto de utilidade pública e disponibilizar o arquivo do jogo para download aqui, para compartilhar com vocês essa ótima piada interna sobre os góticos caricatos que a gente vê por aí.
Para quem não conhece, esse não é um Tamagotchi, mas um TamaGOTHi, sacaneando dois coelhos com uma cajadada só. O jogo é um pequeno desktop game em Flash, onde o jogador “cuida” de um recém-nascido gótico. É uma pena que a página original não esteja mais por aí, porque metade da graça estava nas explicações dadas no tutorial, assim como na descrição dos tipos de “gothi” nos quais seu bichinho pode se transformar – tipo evoluções de Pokemon. Aliás, posteriormente o cara expandiu o conceito dos vários tamagothis e criou a “Punkemon Island”, com dúzias de estilos de punkzinhos e descrições hilárias, infelizmente também fora do ar. De qualquer forma, vou esboçar aqui o que eu lembro de guia e descrições:
O usuário controla quatro singelos estímulos para o jovem gothi: heroína (smack), anfetaminas (speed), espancamento (beat) e luz (light, duh!). A tela mostra os quatro marcadores correspondentes, além de um medidor de angústia, que começa bem saudável em 1000 (um jovem e feliz rapaz) e decresce até zero (suicídio). É preciso balancear bem os estímulos para que ele cresça bastante trevoso e sombrio, mau bagarai, sempre à beira do precipício mas sem rodar de vez. Logo que ele nasce, ele está saltitante e serelepe, algo inaceitável para um gótico, então o negócio é encher o moleque de porrada pra ele aprender logo que a vida não é assim não, mas vigie o marcador, ou você acaba matando o fedelho. Com isso ele vai ficar meio chateado, então você dá umas anfetaminas para ele se alegrar, mas pra não ficar muito animadinho, vai uma heroína pra relaxar (o abuso das duas resultando em morte overdose, claro). E esse tempo todo a luz está apagada, óbvio, mas eventualmente você vai ter que acendê-la para que ele possa dormir (você não sabia, gótico só consegue dormir de dia!), se não ele morre de exaustão. A idéia com todo esse balanço precário é manter o angst-meter o mais próximo possível de zero.
Eventualmente ele pode evoluir em uma árvore de gothis diferentes, conforme as dosagens: muita heroína cria um Junkygothi, sempre chapado no canto e que não evolui mais, sobrando apenas apertar o botão de eutanásia pra recomeçar; bastante porrada gera um Punkygothi, todo raivoso, que pode virar, entre outros, um Industriogothi mais raivoso ainda; no total são umas 10 possibilidades, não lembro todas (supostamente, por exemplo, se você acender e apagar a luz rápido o suficiente, criando um efeito estrobo, e der bastante speed, você cria uma versão corrompida dos gothis, o Raver). A dosagem mais perfeita e difícil de conseguir geraria um Moppygothi, que por sua vez geraria um Romantigothi, que se for bajulado na dosagem perfeita se torna a epítome dos gothis -- o Murphygothi, fazendo pose com a capa e tudo.
Pessoalmente eu sempre acabo no Junkygothi ou Industriogothi, mas a página continha as descrições e imagens de cada um deles, incluindo a música que cada um “gosta” de ouvir. Um cuja descrição eu lembro particularmente é a do Romantigothi: ele dizia que uma característica inexplicável dos Romantigothis é que alguns deles, sem motivo aparente, simplesmente desaparecem, apenas para ressurir anos mais tarde em alguma lanchonete local, usando roupas comuns com um maço de revistas do Sandman debaixo do braço, ou então para fazer sites de paródia do estilo de vida que anteriormente levaram.
Ah, e caso alguém encontre a Tamagothi Homepage ou a Punkemon Island em algum endereço novo, avise!
(EDIT 18-Fev): A Lia encontrou um site que meio que guarda em cache os resultados de buscas antigas, e nele tem quase completo o guia de uso e descrição dos estágios do gothi. É esse aqui, eu chequei todos os links internos e, com exceção do Industriogothi, todos estão funcionando, então divirtam-se (o site é meio lento mas funciona, tenham paciência)! Nele porém não tem o jogo, então o arquivo que eu disponibilizei acima continua útil.
Relendo o guia, deu pra identificar vários pontos errados na minha descrição acima, mas como apareceu o guia "oficial" não tem sentido ficar corrigindo aqui, confiram lá o original! E de bônus, na página de entrada tem o link para a Punkemon Island. Agradeçamos à Lia!
Como é comumente falado (ainda que efetivamente desmentido) no meio acadêmico, a palavra parada é morta. Imortalizada na concretude de um conceito, ela alcança efeito oposto ao esperado, pois ela só é dotada de vitalidade quando se movimenta e interage com o meio; inerte, ela perde essa bioenergia, morta no zero absoluto e sua inação atômica. Quem nos apresenta uma palavra a imbui com um sopro de vida; porém, para que desfrutemos desse sopro, ao recebê-la precisamos nós mesmos reanimá-la com um novo sopro. Para que a palavra seja útil, longe de ser objetiva, ela deve ser duplamente subjetiva: subjetiva por quem a dá, e subjetiva por quem a recebe. Assim, seja Essência, Existência ou Nada, o que quer que haja de vivo na palavra só pode ser encontrado em movimento: se há um sentido oculto na palavra, este não é encontrado em seu registro espacial ou temporal, mas sim na interrelação desses dois registros -- o movimento.
Portanto, desvirtue o tema, varie da idéia! Pegue a palavra e a mastigue, cuspa a palavra, jogue-a para o alto, atire-a na parede, pise nela, faça dela uma torta de peixe; lambuze-se, faça amor com ela, misture-a com outras palavras para ver como fica, olhe-a de lado e faça cara feia, depois desfaça tudo e comece de novo. Pulverize a palavra ao vento, deixe que ela se esfarele em suas proteínas mais básicas e sintetize-as, apenas para quebrá-la de novo. Simone Weil definiu poder como sendo "a capacidade de transformar uma pessoa viva em um cadáver, ou seja, uma coisa". Há, porém, além dessa reificação absoluta, um outro poder humano muito negligenciado, uma capacidade divina ao nosso alcance: o poder de transformar a coisa em algo vivo.
Que a res cogitans torne-se vita cogitans!
Do contrário, se ouvirmos e pensarmos palavras mortas, se ingerirmos inteiras essas coisas mortas, seremos também coisas mortas, enfermos da dor de barriga causada pelo câncer dessas coisas estagnando em nossas tripas.
"Take a fish
And a potato
Hold the fish
And the potato
In your hand...
Put the potato
In the fish
Make it digest it
Smash it up, smash it up!
This is how you make fishcakes
This is how one makes fishcakes
Smash it up
Poke it up
Put it down the fish
Throw it against the wall
Stamp on the fish
Throw it on the wall
Smash it on the wall
Fishcakes! Fishcakes!"
Bauhaus - "1. David Jay 2. Peter Murphy 3. Kevin Haskins 4. Daniel Ash"
Em meio àquela organizada nos meus papéis, encontrei uma xerox não identificada (mania de não anotar a referência!) que eu acho que sequer cheguei a ler, e pelo assunto pode ser de metade das matérias vistas em Psicologia: "O Símbolo", capítulo 1 de algum livro, com uma folhada pode ser coisa de Psicanálise, Mitologia, Jung, Filosofia da Linguagem, Linguagem e Cognição, e por aí vai. De qualquer forma, o que importa não é o texto em si, mas uma citação que ele usa no encerramento, desse tal de Fernando Pessoa que algum dia eu vou ter que parar pra ler:
"As coisas não têm significação: têm existência. As coisas são o único sentido oculto das coisas."
Essa citação sintética me remeteu a uma outra mais extensa, feita pelo Reich na primeira página de "A Revolução Sexual", que deveria ser leitura obrigatória para qualquer pessoa em Humanas; psicologia é um mero detalhe nesse livro. [traduzido da edição em inglês, não tenho a edição da Martins Fontes disponível, e pelo que eu vi ela deixa a desejar]:
"...'Pelo que vivemos?'(...) 'Viver para se viver' é a única resposta a essa pergunta, não importa quão estranha e unilateral ela possa soar. O sentido pleno da vida é a própria vida, o processo de viver. Para que se compreenda o sentido da vida é preciso, antes de tudo, amar a vida, tornar-se totalmente imerso nela. Apenas então a pessoa compreenderá o sentido da vida, entenderá pelo que se vive. A vida -- ao contrário de tudo o que o homem criou -- é algo que não requer teoria. Quem for capaz de funcionar na vida não precisará de uma teoria da vida."
Seria total contra-senso elaborar sobre o tema, então encerro apenas com uma pequena sincronicidade, a tira de hoje do Sinfest que eu recebi logo após acabar de escrever:
A Maratona Odeon havia me deixado com uma impressão bem negativa pela minha primeira experiência com ela: Woody Allen em fim de carreira -- sendo que nem no pico da carreira era lá essas coisas -- dando uma de Didi Mocó no insosso "Dirigindo no Escuro", fazendo um pastelão que até Steve Martin faria melhor sem se esforçar; como filme-surpresa, o péssimo "Amarelo Manga", que se fosse americano teria sido abominado como lixo captalista hollywoodiano pelos intelectualóides de plantão devido ao seu apelo gráfico gratuito, exceto pelo fato de ser brasileiro, sendo então aclamado como um sublime retrato da existência brasileira; e outro fim de carreira, Bela Lugosi no precário -- tanto pelo estado da película quanto pelo filme em si -- "A Volta do Gorila Assassino" ou algo do gênero.
Foram necessários vários meses de recuperação, e só com a conjunção de vários fatores presentes na maratona da última sexta eu voltei a encará-la: comentários favoráveis de quem já havia visto algum dos filmes, e expectativa quanto aos outros, e mais importante de tudo, nada de filme-surpresa -- o terror desconhecido é sempre mais ameaçador do que o conhecido, então saber previamente quais eram os três filmes propiciou um maior senso de segurança sobre o programa.
No saldo foi um ótimo programa, deu para manter o pique nos três. Como os filmes ainda não entraram em circuito, vou dar uma resenhada de leve nos três --"Capturando os Friederman", "CONfidence" e "School of Rock":
.Capturando os Friederman-- Documentário sobre pai e filho presos em 88 nos Estados Unidos acusados de pedofilia e de abuso de dúzias de crianças. Documentário, pedofilia, definitivamente não é um filme de lazer para se passar o tempo, mas também consegue fugir do clima enfadonho típico de documentários. Alternando gravações do vasto arquivo da própria família (um dos outros irmãos tinha o hábito de filmar tudo, e registrou extensivamente o convívio da família durante os meses de processo) com entrevistas feitas para o documentário, o diretor consegue amarrar o registro em uma trama envolvente, com momentos similares a reality show.
Em linhas gerais, traça o perfil da família de modo que faz o espectador se perguntar se está perante a típica família de subúrbio americano ou de uma família extremamente disfuncional e problemática - e ainda se há alguma diferença entre as duas. Mostra também em close-up a histeria coletiva norte-americana, canalizada em uma caça às bruxas digna do governo McCarthy ou de "As Bruxas de Salem", com pais ameaçados a testemunhar que seus filhos foram abusados, etc. Embora o filme tenha sido feito com o óbvio apoio de alguns membros da família, ele não puxa necessariamente a sardinha para o lado da inocência deles: ao invés, ao alternar lados opostos da história e depoimentos comprometidos, ele reconhece como a Verdade fica obscurecida, e não só deixa incerto quão correta foi a condenação como parece nos dizer que isso é secundário frente às demais questões em jogo.
Pessoalmente, ficou entalado pra mim que com dúzias de crianças supostamente penetradas dezenas de vezes ao longo de meses, nenhum pai percebeu qualquer ferimento nos filhos antes das acusações começarem, sequer uma roupa suja. Ora, uma pessoa adulta pode se ferir com uma penetração anal cuidadosa, como é que crianças de 10 anos penetradas à força por um pênis adulto não apresentaram ferimentos perceptíveis aos pais, e como isso é ignorado na acusação? Confiram, dificilmente vocês não vão sair com um salutar incômodo por algum ponto em alguma faceta da história.
. CONfidence-- Esse filme é daqueles pipoca que merecem respeito: por um lado, é honesto em não ter a menor pretensão de ser algo além de uma pipoca para entreter no cinema-diversão, mas por outro consegue ser muito bem feito dentro dessa despretensão. Sendo pipoca, não alimenta como uma refeição completa, mas cai bem melhor do que as pipocas de isopor que se multiplicam por aí, precisa apenas que o espectador esteja no pique de um lanchinho e não de uma feijoada para se divertir bastante com sua história já bastante batida.
Esse filme fica naquele limbo incerto de comédia e ação dos filmes onde um certo número de trambiqueiros se unem para dar um golpe milionário -- se por essa definição Ocean's Eleven vier à mente, não é por acaso, ele vem repetidas vezes durante o filme. E já tendo visto vários filmes desses, você sabe por exemplo que aquele desentendimento entre os protagonistas é ensaiado, e que o momento em que tudo parece ter ido para a vala faz parte do golpe-dentro-do-golpe. Mas o que vale aí não é a surpresa, e sim se divertir vendo qual vai ser o esquema mirabolante usado para se safar, ou ainda fazendo um rápido bolsão de apostas tentando prevê-lo, e também se deliciar com quão cool as pessoas são nesses filmes - porque nesses filmes é todo mundo muito cool, até o mané que só serve de alívio cômico.
E claro, esse também é um daqueles filmes onde o elenco é salpicado de estrelas maiores do que seus personagens, o que em vários casos no filme é um ponto a favor, pois alguns conseguem dar profundidade a personagens que em si são bidimensionais. Dustin Hoffman, por exemplo, fazendo ponta com um personagem caricato que beira a inverossimilhança, consegue tirar leite de pedra, não só convencendo mas roubando a cena (tipo Jack Nicholson em "Batman"), assim como, em uma escala menor, Andy Garcia. Edward Burns, com aquele background de ator e diretor de cinema independente, quem diria, arregaça as mangas e mostra que em alma é um canastrão digno daquela escola de canastrões do Orson Welles (aquela, que já agraciou o mundo com formandos como Bruce Campbell e Billy Zane, lembram?). Mas e não é que o cara lembra à beça o Ben Affleck, outro formando? Além do mesmo tipo físico, os dois têm a mesma combinação de canastrice e boa-mas-não-excelente habilidade cênica, e embora eventualmente mostrem a habilidade por aí, os dois gostam mesmo é de soltar uma conversa mole. A Rachel Weisz, sempre digna de suspiros, é que não convence muito como femme fatale golpista. Acho que é por ela ser boa moça demais, nas horas em que ela manda a tal conversa mole pra seduzir e manipular algum mané você sente que ela está encenando a sedução, daí não funciona.
Como eu disse, é uma pipoca divertida, tá valendo para uma ida muito descompromissada ao cinema, ou então para uma sessãozinha social de vídeo.
.School of Rock por sua vez, que - dizem - era a grande espectativa da noite, nem uma pipoquinha seca e sem sal vendeu. Enquanto o filme acima conseguiu revisitar com estilo um roteiro batido, esse não conseguiu nem repetir direito o seu, fazendo igual mas pior do que já foi feito antes, enquanto se perde em tentar ser várias coisas ao mesmo tempo sem conseguir ser nenhuma.
Temos o modelo de sempre: um deadbeat de mais de 30 anos congelado no final da adolescência, morando: a) com os pais, e sendo sustentado por eles; b) em uma fraternidade de universidade, e sendo sustentado também pelos pais; c) de favor na casa de amigos responsáveis; por uma coincidência não-convincente o protagonista se mete em uma troca de papéis, conseguindo enganar durante semanas todos a seu redor com desculpas que não colariam nem por 5 minutos; em algum ponto ele será flagrado e cairá em desgraça, e a moça com quem ele se engraçou ficará muito decepcionada com ele; em um momento climático, as pessoas que acreditaram nele provam que ainda acreditam, devolvendo pra ele todos os chavões que ele soltou, então ele vai lá e prova ser tão bom demais que não só se redime com a moça como todo o status quo se curva para aceitá-lo. Adiciona-se o elemento "crianças", com todos os clichês cabíveis, e me digam, quantos filmes você já viu girando em torno desse resuminho?
O elemento "rock" do filme, por sua vez, deixa ainda mais a desejar. Se era pra ser um filme de referências musicais para agradar um público específico, citemos algo além dos hits manjados de umas 5-6 bandas dos anos 70, né? Sobre o aspecto (não)musical do filme, não vou desenvolver muito, confiram aí o que a Lia falou a respeito.
Perdidas nesse meio, duas comediantes oriundas do Saturday Night Live, a Joan Cusack, que é boa mas mostrou não ter a habilidade que o Dustin Hoffmann tem em tornar plausível um personagem caricato, e Sarah Silverman, que não arranca nem um risinho como a namorada megera do colega de quarto.
No saldo, não é o fato de ser um amontoado de clichês que faz o filme fraco, até aí "Confidence" também é, mas sim esses clichês serem apenas requentados, uma involução dos anteriores. E francamente, o Jack Black fez feio! Ao pegar a mesma fórmula que o Schwarzenegger pegou em "Um Tira no Jardim de Infância", ele, um comediante, não consegue dar metade da conta do recado que o outro, um brutamontes de filme de ação, deu.
Tão fraquinho como filme ligado à música, que a música do dia nem vai ser relacionada a ele, mas sim aos Friedmans. Falando em pedofilia, ficamos com o Robert Smith - que pode ser "Our Savior", mas é um pervertido:
"The innocence of sleeping children
Dressed in white and slowly dreaming
Stops all time
Slow my steps and start to blur
So many years have filled my heart
I never thought I'd say those words
The further we go and older we grow
The more we know, the less we show
The very first time I saw your face
I thought of a song and quickly changed the tune
The very first time I touched your skin
I thought of a story and rushed to reach the end too soon
Oh remember
Oh, please, don't change
So the fall came
Thirteen years, a shiny ring
And how I could forget your name
The air no longer in my throat
Another perfect lie is choked
But it always feels the same
So they close together
Dressed in red and yellow
Innocent forever
Sleeping children in their blue soft rooms still dream
The further we go and older we grow
The more we know, the less we show"
Novamente olhando os referrers no contador, eu penso:
Pior do que alguém usar o MSN Search (o que por si só já é um erro) para de fato procurar "hot anal sex", é o infeliz fazer a busca sem aspas e escrever "anel" ao invés de "anal", de modo que as três palavras soltas o tragam para o meu inocente e casto blog!
Tudo bem que "anel" seja frequentemente usado como eufemismo para ânus -- "Trocou o anel de couro por um de ouro", "O Bilbo deu o Anel para o Frodo", "O Frodo queimou o Anel do Bilbo" -- mas vamos separar o joio do trigo! :P
(Tudo bem, nem tão inocente e casto, mas passou o momento infâmia; e continua pendente minha promessa do último post)
Durante uma passada casual por uma coleção de cds alheia, me ocorreu o que poderia ser a música para o resgate aéreo de Sam e Frodo na destruição de Mt. Doom se a trilha do filme fosse refeita com músicas contemporâneas: "Hang on to your Eagle" dos Beach Boys. Ainda mais da maneira como o cara fala "ego" na música, alongando o "e" e com a pronúncia alveolar do "o", sem a participação dos lábios no som, ele efetivamente fala "eagle", nem precisaria de regravação! Tudo a ver com a cena, não acham? A Terra Média embalou muita viagem de ácido de "tree-hugging hippies" nos anos 60 (constava em um documentário que o Tolkien era acordado no meio da noite, devido ao fuso horário, por ligações de hippies querendo saber como fazer pra chegar na Terra Média), então nada mais apropriado. A música ainda poderia servir para outros momentos também, como durante os momentos de bom garoto do Gollum, "Hang on to your Smeagol".
Ah, sejam lenientes, não é mais fraca do que aquele vídeo do "She's got a chicken to ride / my babe donkey". Eu prometo que meu próximo post vai ser uma sóbria e profunda elocubração antropológica sobre a existência humana. ;)
Mas se tivesse o expurgo do Shire no filme, bem que poderia ser ao som de "There Goes the Neighborhood" do Body Count...
Olha que interessante: conferindo referrals no contador desse blog, eu descobri que buscas no Google por páginas em português contendo "Nitzer Ebb" dão o meu blog como primeiro da lista -- ou seja, nessa busca o famoso botão "I'm Feeling Lucky" cai direto aqui!
Eu mencionei tão casualmente há um tempo, será que não tem nenhum site nacional dedicado à banda para me roubar essa primazia?
* * *
Outra desenterrada de cadernos antigos, essa que o professor mostrou em uma Aula de Alemão I:
"Der Inhaber der Kuh hat die Kuh gebunden. aber die Kuh ist nicht mehr da".
Não lembro se essa é a frase inteira, mas enfim, essa é a prima alemã daquela francesa sobre o papagaio no pescoço do professor. Essa no caso fala do dono da vaca que a amarra, mas quando volta ela não está mais lá, claro que escrita de um modo que alemão algum falaria, mas a idéia é a fonética mesmo, que para ouvidos brasileiros gera uma série de impropérios anais.
Rapidinha da série de infâmias que eu desenterrei das papeladas, uma velhinha, mas que eu acho ótima no quesito “piadas sobre profissões”. Eu o encontrei colado em um quadro no CA de Psicologia, então provavelmente quem o colocou não teve senso de humor e levou a piada a sério, achando que era uma apaixonada ode à profissão, não percebendo a sátira auto-crítica (porque certamente pelas piadas internas quem a escreveu originalmente é psicólogo):
Psicólogo não adoece; somatiza.
Psicólogo não transa; libera a libido.
Psicólogo não dá vexame; surta.
Psicólogo não fofoca; transfere.
Psicólogo não tem idéia; tem insight.
Psicólogo não resolve problema; fecha Gestalt.
Psicólogo não muda de interesse; alterna figura-fundo.
Psicólogo não se engana; tem ato falho.
Psicólogo não fala; verbaliza.
Psicólogo não conversa; pontua.
Psicólogo não responde; devolve a pergunta.
Psicólogo não desabafa; tem catarse.
Psicólogo não é indiscreto; é espontâneo.
Psicólogo não dá palpite; oferece alternativa.
Psicólogo não fica triste; sofre angústia.
Psicólogo não acha; intui.
Psicólogo não faz frescura; regride.
Psicólogo não mente; resignifica. [essa merece prêmio como a mais canalha de todas!] Psicólogo não paquera; estabelece rapport.
Dá pra dar raiva da catiguria lendo isso, dá não? Pra vocês sentirem a pieguice de quem colocou isso originalmente, a lista era fechada com “Psicólogo não é gente; é estado de espírito”, coisa de quem achou todas as anteriores afirmações muito belas, não uma boa tiração de sarro. No mesmo ritmo, acho que psicólogo não deve peidar, mas sim sublimar essências, né?
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Aproveitando, vocês viram por aí um comercial nacional que chupou ipsis literis o famoso "Wear Sunscreen" que rodava a internet há anos? Pra que pensar, se é mais fácil plagiar um trabalho sem autor conhecido que corre solto por aí? Ano passado, uma vinheta paz-e-amor picareta do Multishow rodava soltando frases do célebre "Desiderata", que inclusive Renato Russo já havia plagiado antes, pretenso geniozinho de mierda que ele era. Não? "Desiderata" tem a seguinte frase, "Many fears are born from fatigue and loneliness", enquanto o porta-fossa de uma geração cantava em "Há Tempos", "Muitos temores nascem do cansaçúú, e da solidão".
Acho que a lição que dá para se tirar daí é que você pode plagiar descaradamente e ainda sair de poeta, desde que o plagiado não seja conhecido da massa ignorante que vai aclamar o plagiador, nem seja registrado pra cobrar direitos.