Sacanagem, dessa vez o efeito de tropeçar em filmes na televisão não deu certo: passando os canais na hora do almoço, dei de cara com Winston Smith sentado no Chestnut Cafe, na última cena de 1984, passando na TNT. Agora, convenhamos, 6 da manhã e meio-dia de um único dia, horariozinhos esdrúxulos para se agendar as únicas exibições de um filme, não? :/
Em geral eu só resmungo e falo mal de deus e o mundo por aqui, mas quando aparece algo louvável, a ode é devida. Já faz algum tempo que a Editora Martin Claret é uma daquelas editoras que vêm buscando fazer sua parte em recobrar o hábito de leitura do brasileiro, que há décadas é atrofiado graças à cultura da ditatura militar de se manter os livros com preços exorbitantemente irreais, logo fora do alcance do povo em geral. Até mesmo para a classe média e média-alta o consumo de livros fica limitado, com um livro qualquer na faixa de 40-50 reais, em média.
E o mais grave é que isso se aplica até mesmo a livros clássicos, que não têm mais direitos autorais (direitos autorais expiram 50 anos após a morte do autor), logo não teriam sequer desculpa para serem caros (e as obras completas do Freud, hein? O vienense morreu há mais de 50 anos e a edição da Imago continua pra lá de 800 reais...). Ok, se você quer a mega edição de luxo, beleza, mas o que impede a edição popular em material barato de circular também?
O que nos traz a editoras como a Martin Claret e a LP&M Pockets, que vêm tentando (re)criar o nicho de mercado do livro de bolso, que por uma miopia mercadológica a maioria das editoras ignoram. Na edição popular, o ganho da editora é de poucos centavos por exemplar, ficando o lucro da editora dependente do consumo massivo do livro: como poucos brasileiros compram livros, elas não fazem edições populares, e como elas não fazem edições populares, poucos brasileiros compram livros, propiciando um ciclo vicioso que se auto justifica. As poucas editoras que investem nesse canal, então, cumprem o importante papel de trazer livros "obrigatórios" (de Homero a Eça de Queirós, confiram a listagem na sessão "A Obra Prima de Cada Autor" no site acima) tanto ao público que os desconhece quanto àquele que "quer mas não pode". E com a diferença essencial de veiculá-los em pontos de venda populares como bancas de jornal, partindo do princípio de que o público que eles querem conquistar não entra habitualmente em livrarias - levar o produto até o público alvo, isso não é capitalismo usado para o bem? Embora alguns títulos dessas séries me pareçam nunca aparecer em bancas, apenas em livrarias mesmo.
Mas, pela minha experiência, o diferencial da Martin Claret é a qualidade das publicações, tanto na encadernação quanto na tradução e preservação do texto integral. A LP&M, por exemplo, traz textos mutilados e traduções sofríveis, com erros não só na tradução da língua original mas no próprio português! Os livros ficam tão descaracterizados que, qualquer que seja o autor que você esteja lendo, todos soam iguais. Já a Martin Claret traz livros bem encadernados, que resistem incólumes um bom manuseio e maus tratos no fundo da mochila, com texto bem preservado, por 15,90 fixos!
Então, foi com alegria que ontem, fazendo hora na Saraiva do Rio Sul, eu dei de cara com a edição da Martin Claret de "Os Irmãos Karamazov" do Dostoievski, que há tempos eu só encontrava em edições luxuosas de 80 reais em livrarias, ou em edições putrefatas em sebos (e mal-traduzidas, com o descaso editorial que parece ter sido típico em décadas passadas). E parece haver algo de cármico em questão, já que foi também fazendo hora na Saraiva (só que do Botafogo Escada Shopping), que ano passado eu esbarrei em "Crime e Castigo" do mesmo Dostoievski, publicado na mesma coleção. 15,90, quando você está começando a se conformar a pagar os tubos pelo livro!
Da mesma forma, eu já estava conformado a pagar quarenta e poucos reais no "Psicologia de Massas do Fascismo" do Reich, quando em uma visita de últimas esperanças à livraria da Vozes não é que eu o encontro por 27 reais? E em seguida descubro, com mais 20% de desconto, 21,60! Notem que mesmo o preço de catálogo na Vozes (42,50) era inferior ao da livraria da Martins Fontes (46,00), editora do livro. Aahh...
E pra arrematar minha onda de alimentar o intelecto e o consumismo literário sem ofender o bolso, "Utopia" do Thomas More e "The Origin of Species" do Darwin por aquele precinho camarada que só a Beringela sabe fazer... :)
Agora é só esfregar um ímã no meu HD pra conseguir voltar a dedicar meu tempo livre mais à leitura do que ao computador...
* * *
"What is the name of the thing that lets you know that time is happening?"
"Change"
Idiossincrasias legais sempre me revoltam, ainda mais quando importadas de caças politicamente corretas às bruxas dos Estados Unidos. Pois bem, já fazem alguns anos que nós temos essa lei que proíbe que cigarros patrocinem ou sejam associados a eventos da mídia e/ou cultura (não pesquisei o texto exato, e se é lei, estatuto ou sei-lá-o-quê, mas a idéia é essa), um exagero que não só é politicamente correto como vão, pois ninguém tem a ilusão de que isso vá diminuir o consumo de cigarros.
O efeito mais notável dessa lei é ter nos deixado órfãos de eventos como Hollywood Rock e Free Jazz Festival. Ok, no caso do Free Jazz a lacuna foi preenchida pela Tim, mas além da produção ser diferente, há de se perguntar se os impérios das telefônicas são menos nocivos do que cigarros -- e, de quebra, se formular uma teoria da conspiração sobre se a tirada de cena dos cigarros não teria sido uma preparação de terreno para a invasão das telefônicas na mídia. Certo, ainda que lícito, cigarro é uma droga nociva à saúde, e a sensibilidade pc nos diz que não é certo associar algo assim à promoção de cultura. Mas e álcool, é o quê?
Esse fim de semana eu vi no jornal um anúncio de um tal "Chivas Jazz". E aí, como fica? Parecia ser algo bastante culto, jazz de verdade (ao contrário do "jazz" q tínhamos no Free Jazz), então aí tudo bem, a imagem de um erudito degustando boa música junto com um bom whisky deve ser mais aprasível. Hmmm... aprazível, mas ela está associando o que com o que mesmo?
Além disso, há algum tempo eu vi algum "informe publicitário" (nome muito bonito para propaganda disfarçada de matéria) na televisão sobre uma festa patrocinada por algum whisky mais "popular" (não lembro se Red Label ou qual outro). Nesse caso era mais descarado, a coisa estava mais pra rave, com um monte de jovem se esbaldando no whisky ao som do techno.
Fingindo que acreditamos que o que está em jogo não são interesses econômicos, mas sim a saúde, qual é o princípio de promoção da saúde em jogo aí então? Droga lícita por droga lícita, se é pra se argumentar males causados pela droga, o álcool é muito mais generalizadamente nocivo do que o cigarro. Você não ouve falar de estupros ou acidentes de carros propiciados por alguém ter fumado cigarro, ou de indivíduos e famílias arruinadas pelo tabagismo, ouve? E aparentemente cirrose não é nada lá muito preocupante...
Segundo esses exemplos, a moral da história parece ser mesmo a de que produções culturais devem ser protegidas da associação negativa com o cigarro, ao mesmo tempo que podem ser ativamente associadas à boa influência do álcool.
Em crítica, acho q dá até pra parafrasear Titãs:
"A gente não quer só bebida,
A gente quer bebida, diversão e arte.
A gente não quer só bebida,
A gente quer saída para qualquer parte."
* * *
Há pouco eu vi no Telecine uma matéria curta sobre o filme Eternal Sunshine of the Spotless Mind (o título ao menos me agradou pelo tom poético; tremo em pensar no que a tradução vai fazer com ele) que estreiou há pouco nos EUA, com Jim Carrey e Kate Winslet como casal. O filme parece ter uma premissa interessante, mas pelo pouco que eu vi e li a respeito não dá pra ter certeza se ele se diferencia do padrão comédia romântica. Notei apenas no IMDB que o diretor tem mais experiência com video-clipes do que com cinema: Bjork, Massive Attack e Chemical Brothers. De qualquer forma, logo mais a gente descobre, o que me chamou a atenção foi que ao fundo da matéria estava rolando "Light and Day" do Polyphonic Spree, que está na trilha sonora.
Eu só ouvi essa música umas duas vezes, em vídeo de show da banda rolando em boate, foi algo digno de nota: todos no palco de cabelão e togas (camisolas?) brancas, com vários músicos de apoio e coral também a caráter, parecendo um híbrido de hippies e seita fundamentalista. O refrão "Reach for the Sun", repetido ad nauseam com fervor quase religioso e as mãos erguidas apenas reforçava o ponto, mas um amigo me assegura que eles são apenas mais uma banda indie irlandesa, e a onda de culto é apenas galhofa deles. Eu sei que, seja pela apresentação inusitada, pela melodia ou pelo júbilo com que ela era cantada, a música ficou marcada o suficiente para ser protamente reconhecida tempos depois.
Vá saber, mas confiram a música em seu P2P de escolha, e logo mais a gente confere o filme.
Enquanto eu ando sem disposição pra escrever por aqui, deixo vocês se divertindo com a tradução automática deste blog para o inglês, cortesia do Google, é só lazer ... As pessoas não entendem, a palavra é apenas um símbolo, e um processo mecânico não é capaz de deliberar entre os significados aplicáveis a um símbolo em cada fala.
Reparem no fundo da barra lateral, no "powered by", como "Lia" se transformou em "it read"! :P
Vejam que coisa, dia 19 de Abril de 79 caiu em uma quinta-feira, o que me faz oficialmente um "filho de quinta-feira". Dessa forma, em um pequeno gesto auto-erógeno, a música de hoje fica dedicada a mim mesmo, "Thursday's Child" do David Bowie:
"All of my life I've tried so hard
Doing my best with what I had
Nothing much happened all the same
Something about me stood apart
A whisper of hope that seemed to fail
Maybe I'm born right out of my time
Breaking my life in two
(Throw me tomorrow...)
Now that I've really got a chance
(Throw me tomorrow...)
Everything's falling into place
(Throw me tomorrow...)
Seeing my past to let it go
(Throw me tomorrow...)
Only for you I don't regret
That I was Thursday's Child
Monday, Tuesday, Wednesday born I was...
Sometimes I cried my heart to sleep
Shuffling days and lonesome nights
Sometimes my courage fell to my feet
Lucky old sun is in my sky
Nothing prepared me for your smile
Lighting the darkness of my soul
Innocence in your arms
(Throw me tomorrow...)
Now that I've really got a chance
(Throw me tomorrow...)
Everything's falling into place
(Throw me tomorrow...)
Seeing my past to let it go
(Throw me tomorrow...)
Only for you I don't regret
That I was Thursday's Child
Monday, Tuesday, Wednesday born I was Thursday's Child...
Monday, Tuesday, Wednesday born I was..."
"Readying to bury your father and your mother
What did you think when you lost another?
I used to wonder why did you bother
Distanced from one, blind to the other?
Listen here my sister and my brother
What would you care if you lost the other?
I always wonder why did we bother
Distanced from one, deaf to the other
Oh, oh, but sweetness follows
It's these little things, they can pull you under
Live your life filled with joy and wonder
I always knew this altogether thunder
Was lost in our little lives
Oh, oh, but sweetness follows...
It's these little things, they can pull you under
Live your life filled with joy and thunder
Yeah, yeah we were altogether
Lost in our little lives
A notícia nem é nova, tem umas 3 semanas já, mas só esses dias eu confirmei com certeza: uma associação GLS carioca protestou contra "A Paixão de Cristo", alegando que a figura andrógina atribuída ao Tinhoso seria prejudicial a gays e lésbicas em geral. Impressionante, realmente tá todo mundo querendo pegar o embalo da polêmica para se divulgar um pouco também!
A representação do Cramulhão como andrógino é elementar: ele não é humano, tem todas as formas e nenhuma, e se ele é um exímio sedutor da humanidade, então ele deve ser capaz de seduzir igualmente ambos os sexos, daí se tomasse a forma apenas de um ou outro sexo ele perderia eleitorado. Criar caso com isso é muito delírio persecutório casado com muita vontade de catar cabelo em ovo, coisa de quem quer inventar motivo pra se dizer perseguido. E aí acaba que gays e lésbicas saem difamados não por serem associados ao Coisa-Ruim, mas sim por serem associados à falta de noção de criar barraco por nada. E de bônus difama os cariocas ainda, já q só essa associação carioca que veio de graça.
Mas se a onda é essa, então vou lançar uma alegação com o mesmo nível de coerência e noção: Judas foi retratado como usando barba: eu, enquanto homem barbado, me sinto ultrajado por essa representação, e acredito poder falar em nome de toda a comunidade barbada ao protestar contra essa difamação de nossa catiguria.
Francamente, é muita vontade de criar caso, né?
PS: Contribuam com mais apelidos esdrúxulos para Diabo, faltou acervo.
Ontem passando pela rua Real Grandeza eu vi a seguinte pixação (em um muro, claro, é onde elas têm o hábito de ficar): "Fora [ou 'abaixo'] MV-Brasil", seguido de uma suástica cortada estilo placa de "proibido estacionar". Por mais que "sanidade não seja estatística", bate um certo alívio em ver que não estou tão sozinho assim em minhas opiniões desviantes. Tudo bem, a gente sabe que pixação não é certo, mas há de se perceber a justiça poética de ver o MV-Brasil sendo atacado (parodiado?) justamente em sua forma e canal preferidos de "manifestação".
Porque já faz alguns anos que eu venho vendo, alarmado, os cartazes deles por aí, sempre reacionários e beirando o fanatismo, sempre exarcebando Nação e Pátria. E é nessas horas que eu me sinto muito desviante, porque as pessoas com quem eu comento acham ou muito normal ou um válido manifesto de esquerda - aparentemente ninguém se impressiona com a idiossincrasia e ameaça deles! "Ameaça" pode até ser alarde meu, já que no fundo parecem ser pouco mais do que um desdobramento particularmente reacionário de movimento estudantil, com excesso de discurso e falta de ação (mas movimentos de massa começam de coisas inócuas assim), mas a ameaça é também da passividade e aceitação das pessoas em geral perante isso, que nos diz que eles teriam espaço, ou até mesmo respaldo, para colocar seus "projetos" em andamento.
Mas estou me adiantando, prossigamos por partes.
-Cultura Nacional:
Um dos carros-chefe deles é a "proteção e valorização da cultura nacional" contra a invasão e dominação da cultura estrangeira. Mas aí a gente tem que perguntar a qual cultura nacional eles estão se referindo. Ora, o Brasil surgiu como colônia, misturando imigrantes de meia Europa, escravos africanos e índios dominados, então não há uma cultura brasileira per se, "pura", toda ela estando fundamentada em culturas preexistentes de outros povos. "Cultura Nacional" é privilégio de povos do Velho Mundo, que se desenvolveram e caracterizaram-se ao longo de milênios, não de híbridos aglomerados populacionais. Se o Brasil é uma amálgama (ainda que desigual) de culturas européias, africanas, indígenas e, posteriormente, asiáticas, então ao "valorizarmos a cultura nacional", devemos prezar TODAS as raízes de nossa cultura, certo?
Esses grupos nacionalistas parecem fantasiar a cultura brasileira como sendo apenas a cultura indígena, e ver qualquer influência européia como invasora. Correto, havia a cultura indígena, que foi dominada pela cultura européia, que trouxe consigo outras culturas: nessa equação "nós", os brasileiros, não somos os índios, e sim os herdeiros dessa dominação, triste que seja admitir isso. Quantos de vocês falam tupi-guarani, e quantos falam uma língua européia com mínimas alterações da falada na metrópole? A cultura brasileira não é uma cultura indígena, batalhando para se manter contra o domínio invasor, mas sim a vitória de uma cultura européia invasora sobre a cultura indígena. Portanto, é uma ignorância deliberada da própria ascendência e raízes ter a pretensão de se proteger contra o domínio europeu: tarde demais, amigo, você chegou séculos atrasado, você já é culturalmente europeu, e racialmente afro-indo-europeu!
E mais, devemos prezar tudo que é brasileiro, e repudiar tudo que é estrangeiro? Essa xenofobia é absurda, eu devo então valorizar necessariamente toda a produção cultural brasileira e desprezar qualquer produção estrangeira? Não seria melhor prezar e consumir o que for bom, independente de nacionalidade, e repudiar o que não prestar? Esse isolamento etnocêntrico de um povo sem etnia não traz ganhos para ninguém, apenas ajuda a manter um povo com menos referências e informação, ou seja, um povo mais ignorante. Talvez seja essa a idéia, um povo ignorante e nacionalista, que valorize É o Tchan e Kelly Key e despreze Bob Dylan e John Lennon.
-Nacionalismo:
Sob o risco de ser monotemático, não tem como não me referir ao doublethink de "1984", prática na qual uma palavra é usada para ilustrar seu exato oposto ('amor' significando tortura, 'paz' significando guerra, 'abundância' significando miséria, etc.). Esse grupo enche a boca para alegar posturas igualitárias, se dizer oposto ao capitalismo norte-americano, alegando valores socialistas, ao mesmo tempo que lança palavras de ordem como "Nação", "Pátria" e "Soberania". Esses não são justamente slogans típicamente de direita, tão usados inclusive ao longo de toda nossa história recente por todo o domínio militar no Brasil? Então, tão logo o Brasil começa a ter algum princípio de democracia em andamento, vem esse grupo pregar mudanças: não será a pregação deles um saudosismo reacionário buscando a volta dos "velhos tempos" em que nossa "Nação" era "soberana"?
Para quem a idiossincrasia de se tomar uma pretensa postura de libertação enquanto se prega "Nação" não tiver ficado clara, consideremos o seguinte verbete: Die Nationalsozialistische Deustsche Arbeiterpartei (NSDAP), ou seja "Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores da Alemanha" (agradecimentos ao Will pela assistência linguística), onde fica claro que "Nazista" e "Nacionalista" são mais do que sinônimos, são literalmente a mesma coisa. Ora, esse nada mais é do que o partido fundado por Adolph Hitler, com os mesmos ingredientes ideológicos que os pregados pelo mv-brasil. É digno de nota que, se apenas trocarmos Alemanha por Brasil nesse nome, ele soa extremamente semelhante a vários partidos em existência no Brasil, sejam eles alegadamente de esquerda ou direita... Quem tiver algum conhecimento da história da ascensão do Nazismo na Alemanha certamente já tinha franzido a testa mais acima ao ler as palavras-chave Nação, Soberania e Pátria: o posicionamento ideológico desse mv-brasil é o mesmo que Hitler pregava em sua plataforma ao ser ELEITO pelo povo alemão. Comparem, a similaridade não está em detalhes ou linhas gerais, mas na coisa toda! Então, contra essa exarcebação toda de valores nacionais colada por aí em paredes, só não dá pra se dizer "Larga disso cara, nacionalismo não leva a nada" porque leva - a nada de bom, mas leva.
Além da xenofobia confessa, um nacionalismo extremo... Então, se eu entendi direito, o mv-brasil é neo-nazista e nem sabe (ou finge que não sabe), é isso?
E outra coisa, se é para resistirmos ao domínio norte-americano, nós vamos fazer isso nos identificando com eles? Sim, pois não há exemplo maior de amor à Pátria do que o americano médio. O nacionalismo é a força motriz do imperialismo americano, então a idéia é realmente combater fogo com fogo, nos opondo ao nacionalismo deles com um nacionalismo nosso? Conta outra, "Nação" não nos serve de nada.
-Nação:
Eu acredito que o ponto acima já seja suficiente para validar a crítica, mas apenas por completude de argumento, vai esse aqui também.
O ser humano não precisa de nação, nunca precisou. A Nação não é guardiã da cultura; a cultura existe há milênios, intrínseca ao homem, enquanto a Nação só foi criada há uns 2-3 séculos, logo não se precisa de uma nação para se preservar uma cultura. A necessidade de uma Nação só surgiu após o Iluminismo, quando Deus começou a perder o poder de manter populações inteiras coesas e mansas sob o mesmo estandarte. Antes disso, francos, bretões ou espanhóis tinham suas culturas particulares, mas eram acima de tudo Cristãos, como fica claro nas Cruzadas, quando toda a Cristandade (uma "nação Cristã" unificada) se uniu contra não-cristãos. Somente quando o Cristianismo começou a perder o poder de manter intacta a ordem estabelecida foi que se precisou de um novo valor para manter o status quo. Tivemos então uma mera troca da estampa do estandarte a ser seguido, mas a relação se manteve inalterada.
Ora, pelo ideal de Razão que herdamos do Iluminismo, o conhecimento é humano, sem essa ou aquela bandeira: como eu mencionei acima, uma obra é boa a despeito de sua nacionalidade, ela não precisa de nacionalidade. A Nação é hoje, como o Cristianismo no passado, um método de dogmatizar e agrilhoar o homem, então se almejamos crescer como indivíduos e como grupo, ela de nada nos serve!
* * *
Ou seja, temos em andamento um insipiente movimento estudantil zeloso por seus valores nacionalistas. Provavelmente não dará em nada - mas tanto essa descrição quanto essa avaliação foram feitas há 70 anos. Não há vanguarda revolucionária que, quando bem-sucedida, não se transforme em estado de polícia para manter seus interesses conquistados.
De qualquer forma, a dimensão da questão sobrepujou a amplitude da minha escrita, que não está lá essas coisas hoje. Espero que dê pra ver além da argumentação insuficiente e mal-formulada e apreender as idéias apontadas. Enfim, fechemos ao menos com uma música que deveria ser tema desses caras, aspirantes baratos e equivocados a revolucionários que são:
"You say you want a revolution
Well you know
We all want to change the world
You tell me that it's evolution
Well you know
We all want to change the world
But when you talk about destruction
Don't you know you can count me out
Don't you know it's gonna be alright, alright
You say you got a real solution
Well you know
We'd all love to see the plan
You ask me for a contribution
Well you know
We are doing what we can
But if you want money for people with minds that hate
All I can tell you is brother you have to wait
Don't you know it's gonna be alright, alright
You say you'll change the constitution
Well you know
We all want to change your head
You tell me it's the institution
Well you know
You better free your mind instead
But if you go carrying pictures of Chairman Mao
You ain't going to make it with anyone anyhow
Eu ainda ia completar como a crítica abaixo não é limitada somente ao Cristianismo, sendo aplicável a qualquer religião, já que a estruturação da fé em qualquer religião é, a rigor, a morte da fé; e como além disso não adiantaria apenas trocar o cristianismo por alguma outra religião ou esquizoterismo (como as orientais, tão na moda atualmente -- "Pass the crystal, spread the tarot"), já que seria uma simples troca-de-seis-por-meia-dúzia. Mas além de ter faltado disposição, e de que aí já seria insistir demais no assunto, seria acima de tudo desnecessário: quem até então acompanhou e em algum grau concordou provavelmente já terá deduzido como decorrente essa conclusão. Se não, deixo aqui não-argumentadas essas afirmações, como teasers. :P
De qualquer forma, que conste a música do dia, no caso dos dias, que por algum motivo misterioso se manteve logo ali na periferia da minha consciência esses últimos dias, embalando como trilha sonora estranhamente apropriada toda essa elaboração:
"I pictured a rainbow
You held it in your hands
I had flashes
But you saw the plan
I wondered out in the world for years
While you just stayed in your room
I saw the crescent
You saw the whole of the moon!
You were there at the turnstiles
With the wind at your heels
You stretched for the stars
And you know how it feels
To reach too high, too far, too soon
You saw the whole of the moon!
I was grounded
While you filled the skies
I was dumbfounded by truths
You cut through lies
I saw the rain-dirty valley
You saw Brigadoon
I saw the crescent
You saw the whole of the moon!
I spoke about wings
You just flew
I wondered, I guessed, and I tried
You just knew
I sighed
But you swooned
I saw the crescent
You saw the whole of the moon!
With a torch in your pocket
And the wind at your heels
You climbed on the ladder
And you know how it feels
To reach too high, too far, too soon
You saw the whole of the moon!
Unicorns and cannonballs,
Palaces and piers,
Trumpets, towers, and tenements,
Wide oceans full of tears,
Flag, rags, ferry boats,
Scimitars and scarves,
Every precious dream and vision
Underneath the stars
You climbed on the ladder
With the wind in your sails
You came like a comet
Blazing your trail
Too high, too far, too soon
You saw the whole of the moon!"
Voltemos então ao assunto anterior antes que esfrie, mas antes disso uma revisão sintética para evitar eventuais mal-entendidos. Na teoria que eu defendi, eu não supus que “o rebanho” tenha se incomodado apenas com o banho de sangue; pelo contrário, eu defendi que eles se incomodaram com toda a violência associada a Cristo, etc., e que, seja conscientemente ou não, usaram o banho de sangue apenas como desculpa para não se confrontarem com o motivo verdadeiro do incômodo. Se foi algo inconsciente (o que eu acho mais provável, tomada de consciência não é o forte de crentes fervorosos), trataria-se então de um mecanismo de defesa, separando o conteúdo latente (violência com Cristo) do manifesto (violência excessiva genérica); se foi algo consciente, seria então um simples caso de hipocrisia.
Agora, voltando à questão da crítica “de fora” quanto ao dogma da culpa no Cristianismo em geral, esqueci de mencionar a referência mais clara de crítica direta a isso. Pois nesse assunto, eu tô com o Nietzsche e não abro, quando ele diz que “O Cristianismo inventou a culpa”, logo ”O Cristianismo foi um dos maiores males da humanidade”. Aqui, a briga do Nietzsche (ou ao menos a da minha leitura dele) não é com o que (se algo) Jesus tenha eventualmente professado, mas sim com a religião posterior, um Cristianismo tão distante de Jesus quanto o Stalinismo está de Marx ou os EUA estão da “Terra da Liberdade”. E é aí que a discussão fica mais interessante, quando se busca distingüir o dogma instituído da pregação espontânea original. É claro que, por mais que o trabalho exegeta possa evoluir, nunca se poderá dizer conclusivamente (Operações Cavalo de Tróia a parte) o que Jesus teria dito, mas pode-se fazer algumas especulações com uma margem razoável de convicção.
Por exemplo, um breve estudo da História da humanidade nos diz que, em todas as épocas, culturas e populações, qualquer grupo que venha a se encontrar na posição de domínio dos demais faz de todo o possível para manter essa situação, e que a maneira de conseguir isso é, fundamentalmente, mantendo o povo ignorante e cego por promessas futuras inatingíveis. Ora, essa descrição se encaixa como uma luva tanto na cultura messiânica vigente entre os judeus na época de Jesus quanto na promessa cristã de um Paraíso transcendental pós-morte. Para qualquer menino de 7a série aprendendo aquela História aguada que nos ensinam no colégio já fica claro como a Igreja usou essa promessa para convencer a plebe medieval a se manter na mais abjeta miséria (“abençoados são os pobres” et al). Agora, os Evangelhos do Novo Testamento, que contêm tal promessa, se encaixam na imagem de um homem pobre, totalmente afastado de qualquer posição de domínio político, que prega amor e fraternidade? Acho que não é preciso esmiuçar a idéia, ela é bem evidente para quem se dispuser a ao menos cogitá-la: o que quer que Jesus tenha falado, foi assimilado pelo status quo da época e usado não para promover uma mudança de modos, mas sim para promover a manutenção do status quo sob o semblante de uma nova ordem. Seria um caso extremo dos vencedores escrevendo a História, de maneira tão total que fica impossível distingüir com alguma clareza que pontos foram reescritos.
Considerem por exemplo aquele papo “Eu sou o Caminho, a Verdade, ninguém chega ao Pai a não ser por mim” (sei lá se a citação está exata, mas a idéia é essa). Ele parece perfeito para se catequizar um rebanho a acreditar que tudo que lhes está sendo empurrado goela abaixo é verdade absoluta e incontestável, e todo o resto é vil paganismo. Agora, minha imaginação e criatividade não dão conta de conseguir imaginar de maneira verossímil um homem humilde falando isso para os companheiros, não bate. Tampouco a promessa do Reino de Deus como uma instância pós-morte bate com um homem que pregasse a Vida. Tentemos primeiro reler a frase na 3a pessoa, com pronomes demonstrativos, “Este é o Caminho, a Verdade, Ninguém Chega ao Pai a não ser por ali”. Já fica mais plausível, não?
Nos remetendo à Alegoria da Caverna de Platão, Jesus teria encontrado um caminho para uma existência presente mais plena, e estaria tentando compartilhá-la com os demais. Uma existência presente, terrena, o Reino de Deus não seria uma recompensa futura por um sofrimento presente, mas sim uma possibilidade de vida mais rica e plena atual, ao alcance dos homens. Aqui eu me remeto novamente a ”O Assassinato de Cristo”, do Reich; para Reich (já adaptado por uma certa interpretação minha), Jesus teria sido um indivíduo divino sim, mas não por ser porta-voz de uma entidade distante e externa, mas sim por ter conseguido ser um homem pleno, tendo conseguido acessar a divindade que existe não em um Deus externo, mas em si mesmo, realizando todo o potencial humano. Ele não teria sido dotado de dimensões ou abrangências sobrenaturais, mas apenas teria conseguido aquilo que está ao alcance de todos: estar VIVO. Poderíamos então reler novamente algo do tipo “Ninguém chega à vitalidade a não ser por se integrar que nem eu fiz”.
Não está se falando de um inatingível Deus externo e transcendental. Jesus é divino, então, por ter conseguido algo que todos nós poderíamos conseguir, encontrar a divindade em si mesmo, como todos nós podemos apreender Deus em nós mesmos. “Deus está em todos nós”, porque Nós Somos Deus. Mas aí, quem precisaria de qualquer religião para adorar Deus? O único tributo a esse Deus seria o sexo (não a trepada com a gostosa que te deu mole, que seria a profanação desse sexo sagrado, sem qualidade, entrega nem envolvimento), o encontro máximo com Deus no parceiro. Não é surpresa que Jesus tenha sido morto por essa afronta, não é surpresa que Reich tenha morrido na prisão com muitos de seus manuscritos queimados ou confiscados.
Bom, acabou que, sem ser minha intenção original nessa discussão, eu acabei por esboçar publicamente um pouco da minha noção pessoal de Deus. Que seja, eu sei que já tá bom de pregação, vou descer do púlpito.
Todas as odes para a Mardoux! Com a indicação certeira dela, eu tenho agora em mãos justamente o mais improvável dos livros daquela listinha que eu coloquei aqui, "Shakespeare: A Criação do Humano". Achado em um sebo, quase novo, por uma fração do preço encontrado novo em livrarias. Graças a ela, logo mais eu vou poder presenteá-los com mais esse tanto de sabedoria alheia disfarçada de minha própria! :P
E de quebra, no caminho para o sebo (perto da praça Tiradentes, no Centro), eu ainda encontrei uma igreja belíssima que eu já havia avistado fugidia em alguma ruela do Centro, mas não sabia qual. Escondida diminuta entre a Rio Branco e os monolíticos edifícios da Catedral e da Petrobrás, essa igreja Presbiteriana toda de pedra cinza em ângulos agudos tem um certo ar de irrealidade contra o cenário metropolitano de fundo, distoando por ser uma peça de arte em meio a construções impessoais e utilitárias. O ar de irrealidade é reforçado pela própria pedra (não cheguei a identificar o tipo), que por seu tom acizentado parece recoberta de poeira, como uma herança ancestral preservada em uma bolha atemporal nos dias atuais.
Infelizmente ela estava fechada, se não eu teria feito algo sem precedentes e teria entrado em uma igreja sem ser para um casamento ou velório. Me limitei a ficar do outro lado da rua admirando a edificação por uns minutos; qualquer que seja o estilo de arquitetura usado ali, é digno de admiração. Pois, à parte de todos os desserviços prestados contra a Humanidade, esse tanto nós temos que conceder ao Catolicismo e ao Protestantismo decorrente: eles souberam ficanciar umas arquiteturas do caralho!