"To all the children who left home, with packs on their backs
On a misty April morning
I wish to erect a memorial.
To all the children who wept, each holding his pack
His sad eyes not looking back
I wish to erect a memorial.
A memorial neither of stone, nor concrete
Nor even of bronze that turns green
With the bitter passing of time.
A memorial to their suffering
A memorial to their terror
And to their fearful surprise.
There's the sweet-smelling world
Filled with laughter and bluebird song
Being wiped off the map with a gunshot.
In this new world
Where on a falling body
A bloodstain grows.
While those who stayed rest their warm feet
Under their desks, working out the profit
That the war they desired will bring them.
To all those fat men,
To those potbellied cuckholds
Counting and counting their cash.
To them I will erect a most suitable memorial
I will flog them with a whip
Hit them with my feet, my fists,
With words that will stick to their fat faces
To their flabby jowls, stamping them and their name
With mud and with shame."
Boris Vian - "À tous les enfants" (original em francês pode ser encontrado aqui)
Eu já devo ter comentado como são fúteis essas datas oficiais nas quais nós devemos nos lembrar dessa ou daquela pessoa convencionada pela ocasião. As data comerciais habituais (dia das mães, pais, namorados, Natal, etc.), nas quais devemos amar as pessoas não por sentir amor, mas porque o calendário mandou, e esse dia de Finados, no qual devemos nos lembrar de sentir saudades de nossos eventuais entes queridos mortos. De uma forma ou de outra, esse emprego dado a esta data é tão forjado quanto às demais: se a saudade e falta daquela pessoa existem, nós as sentimos espontaneamente em qualquer data; se não existem mais, se conseguimos elaborar nossos lutos e seguir adiante, por que ficar reavivando a falta em uma data estipulada? "Culpa do sobrevivente", que sente quem fica pra trás? Como de costume, "espontaneidade" é a palavra-chave aqui, em oposição a "convenção".
Não obstante, há uma relevância na data de Finados, normalmente abandonada em prol de nossas historinhas individuais. Ora, se essa é uma data social, faz sentido homenagear nela não as mortes de nossos entes queridos (se você fizer questão de uma data específica para isso, use a data do falecimento!), mas sim as mortes "sociais", os indivíduos mortos pela coletividade. O Monumento ao Soldado Desconhecido está aí para isso, para lamentar as mais lamentáveis das mortes, sancionadas por Estado e Igreja, nas quais levas e levas de milhares de jovens são enviadas para morrer por uma causa.
É difícil falar algo de útil sobre guerra, para além do pacifismo barato que corre por aí, talvez porque - assim como o seu oposto, o amor -- tantas grandes mentes já tenham refletido tanto a respeito e ainda assim, em última instância, ela permaneça um mistério de difícil definição. Mas, agora diferente do amor, é um mistério que não faz sentido, que se prolifera para além do que é humano, mas ainda assim lança fundas raízes na história da Humanidade. E não, não se pode dizer que a guerra faça parte da natureza humana via a agressividade: a agressividade, parte legítima e necessária da natureza humana, mesmo quando pervertida em violência, pode levar um homem a matar uma ou mais pessoas das quais ele tenha ódio imediato, mas o fenômeno de milhares de desconhecidos se matando não cabe nessa dinâmica.
* * *
Enfim, encerro apenas me lembrando da belíssima graphic novel "Enemy Ace: War Idyll", de George Pratt. Ilustrada com uma aquarela pungente, ela conta a história de um veterano do Vietnã que, disfarçado de repórter, busca paz de espírito entrevistando em um asilo um veterano piloto alemão da 1a Guerra. Entre as memórias e catarses dos dois, uma comovente história sobre guerra e humanidade é contada, e mesmo quem torce o nariz para os "gibis" estaria muito bem servido em ler essa história. Eu poderia e gostaria de comentar algumas das cenas mais comoventes, que fazem com que mesmo após ler várias vezes continue sendo impossível não chorar, mas seria um pálido desserviço. Reforço apenas que é um dos melhores e mais fortes trabalhos que eu já vi, que não faz feio mesmo se comparado a grandes nomes da literatura clássica, e recomendo a todos os interessados -- e mais ainda aos não-interessados -- que arrumem um exemplar para ler (foi lançado há alguns anos no Brasil, pela Globo se não me engano).
Salpicadas nas aberturas de cada capítulo, estão citações de políticos e escritores do início do século, comentando sobre a 1a Guerra:
"Se algum deles perguntar
'Por que morremos?'
Diga a eles
'Porque nossos pais mentiram'" -- R. Kipling, 1915, ao saber do desaparecimento de seu filho no front.