Ano passado já havia rolado alguma especulação a esse respeito, e agora parece estar confirmado, Kraftwerk volta ao Brasil em Novembro, de acordo com o Segundo Caderno do Globo de hoje. Digo "parece" e "segundo" por aquela reticência quanto a confirmações de shows estrangeiros no Brasil, em particular no Rio, onde freqüentemente algum entrave acaba cancelando em cima da hora. Há alguns meses atrás eu agourei a vinda do Pet Shop Boys, espero que não seja o caso.
Tendo acordado e dado de cara com essa notícia no jornal, "com o bucho mais cheio comecei a pensar" e fui ouvir "Autobahn" -- claro -- enquanto me arrumava para começar o dia.
O legal é que em novembro completam-se exatos 30 anos do lançamento de Autobahn, o primeiro disco oficial da banda. Mesmo hoje ao ouví-lo, ainda se tem a sensação de se estar testemunhando o início de uma jornada, ao longo dos singelos 22 minutos de duração da música, à medida que eles vão meticulosamente inserindo elemento após elemento para criar o clima apropriado. Uma jornada exploratória por uma "auto-estrada" virgem, desbravando um novo mundo musical -- não há como evitar soar piegas comentando isso, esse é o senso de deslmbramento perante algo novo evocado por eles.
Há quem diga que é errado afirmar o Kraftwerk como "os pais da música eletrônica", mas tirando o erro de concordância de número, essa é uma afirmação justa. Sem sequer precisarmos entrar no mérito da produção musical em si, a afirmação já é válida pela importância que eles tiveram na criação de alguns dos equipamentos mais básicos da música eletrônica: assim como Hermeto Pascoal, eles souberam tirar música de objetos não musicais, usando por exemplo contadores Geiger como percursão, e tendo sido os responsáveis por trazer o vocoder (efeito tão corriqueiro atualmente, que originalmente fora usado para encriptar mensagens nazistas na 2a Guerra) para a música, e sido os criadores do sampler. Este último está para a música eletrônica como a guitarra elétrica para o rock, não dá para se pensar os respectivos estilos sem eles. Eu não estou encontrando agora nenhuma referência concreta para validar essas informações, por hora fiquem com a minha palavra quanto a isso.
De qualquer forma, o fato permanece que não há música eletrônica que não tenha suas raízes neles: como exemplo é só pensar que o "riff" de "Planet Rock" do Africa Bambaataa, uma das bandas precursoras do "funk" e das mais exaustivamente sampleadas nesse meio, era por sua vez sampleado de "Trans Europe Express" do Kraftwerk, ou seja, até a música mais "de negão" tem sua base nesses "arianos". Além das várias outras ousadias autorais e performáticas, como sair do palco no meio do show deixando a música programada rolando, com apenas seus manequins móveis no lugar -- algo que de lá pra cá se tornou trivial por performances semelhantes, mas que foi um ultraje revolucionário na época, uma desconstrução do próprio conceito de música e concerto.
Enfim, o show deles no Free Jazz de 98 foi maravilhoso, e nada indica que esse vá ser diferente.
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Ok, não que os caras sejam perfeitos, consta que, após o show de 98, eles foram esticar na Bunker, que calhou de ter uma festa de hip-hop no dia. Chegando lá e se deparando com uma maioria de público negro, ao encontrarem uma das poucas brancas loiras presentes um deles disse algo do gênero "Finalmente uma pessoa bonita aqui, só tem preto feio nesse lugar!". É, feia essa, mas no efeito telefone-sem-fio a gente não sabe ao certo como nem o que realmente teria sido dito, e há uma certa contextalização cultural a ser feita. E na boa, se o Heidegger era nazista, e ainda assim é aclamado como um grande filósofo (eu tenho lá minhas dúvidas quanto a que pensamentos válidos podem vir de uma mente que concorde com o nazismo, mas enfim), então dá pra dar um desconto pra Hutter e sua turma, né?
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As Autobahns, mais do que meras auto-estradas, são aquelas estradas da Alemanha e circanias feitas não de asfalto, mas de concreto, que permitem que Mercedes, BMWs e afins explorem seus motores mantendo suas velocidades médias de mais de 180km/h tranqüilamente. Esse símbolo escolhido pela banda é só um daqueles dados que claream um pouco o contexto que fez com que fosse na Alemanha em particular que tal estilo tenha surgido e florecido, se desdobrando no EBM, industrial, etc., com crias ilustres como o Einstuerzende Neubauten e seu "som de ferro velho."
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Embora essa jornada musical não esteja concluída, pouco mais de 10 anos depois de seu início, em 86, eles esboçaram uma apanhado parcial na música "Technopop", descrevendo em que pé a coisa estava, e principalmente antecipando o que estava por vir no cenário musical:
"Synthetic electronic sounds
Industrial rhythms all around
Music non stop, technopop
La musica ideas portara
y siempre continuara
Sonido electronico
Decibel sintetico"