E agora chega de galhofa, ainda que eventualmente inteligente, né? Tudo bem que uma pausa pra descontrair vez por outra é essencial, mas bate uma culpa de estar comentando animações engraçadinhas tendo esse desastre no Paraguai para falar. É que, ao mesmo tempo que isso foi um acontecimento que tem que ser comentado, ele é um daqueles casos tão afrontosos de sequer se imaginar que nos causam aquela reação de estupefação, de não ter nada pra dizer que não soe pequeno para a situação além de interjeições de choque ou de revolta.
Para além do horror, que não tem o que ser comentado, de mais de 300 pessoas morrendo queimadas trancadas em um prédio, eu fico pensando na história do dono do supermercado ter recebido voz de prisão imediatamente. Legal, correto, provavelmente aqui as autoridades sequer teriam a lucidez de fazer isso. Agora, o sujeito nem tava lá na hora, como ficam o mandante e o executor diretos da ordem de trancar as portas? Mesmo em tribunais de guerra é eticamente questionável o subalterno que se isenta da responsabilidade com um "eu só estava cumprindo ordens", e nesse caso em que tais isenções não se aplicam? O senso comum imediatamente foca apenas na figura de poder envolvida e ignora a responsabilidade dos demais. O que mais me choca nesse pensamento é a idéia de que, se a maioria que observa sequer se questiona se os funcionários tiveram responsabilidade por seus atos, então a maioria das pessoas faria a mesma coisa em uma situação semelhante...
É por isso que Hitler foi eleito ao poder com a promessa de que "ao povo seria dada a dádiva da ignorância", as pessoas não querem saber de responsabilidade pelos seus atos, entregando-a de bom grado para uma figura de poder dominante, e ao observar uma situação como a ocorrida, prontamente se identificam com os funcionários que abdicam de sua faculdade de arbítrio em prol de fazer cegamente o que for mandado.
Outro ponto menor que me chamou a atenção é como mesmo as agências de notícia mais respeitadas prontamente colocam de fora suas manguinhas de tablóide. Na notícia do Globo, por exemplo, eles apontam o detalhe de que vários corpos carbonizados foram encontrados abraçados, como o de uma mãe e sua filha pequena. Isso é algo consternante, sim, mas tal dado é estrategicamente jogado como para gerar essa consternação demagógica. Pense bem, qualquer pessoa em uma situação de perigo extremo vai abraçar um ente querido que esteja junto, ainda mais um percebido como indefeso (por mais que concretamente ambos estejam indefesos), para tentar ao mesmo tempo dar e receber alguma proteção, ainda que isso sirva apenas de amparo emocional frente a uma morte inevitável. Então, apontar esse dado não está informando nada da situação, está apenas usando uma reação afetiva humana universal para "jogar barato" com o leitor.
É quando a gente vai reparando nesses detalhes não menos importantes que passam despercebidos no meio de questões maiores que a gente vai se dando conta de como é difícil ter fé nas pessoas.