"Do you see what I see?
Truth is an offence
You silence for your confidence
Do you hear what I hear?
Doors are slamming shut
Limit your imagination, keep you where they must
Do you feel what I feel?
Bittering distress
Who decides what you express?
Do you take what I take?
Endurance is the word
Moving back instead of forward seems to me absurd
Doesn't matter what you see
Or into it what you read
You can do it your own way
If it's done just how I say
Independence limited
Freedom of choice is made for you my friend
Freedom of speech is words that they will bend
Freedom with their exception"
Metallica - "The Eye of the Beholder"
Está nauseante essa discussão sobre a reimplementação da censura no Brasil -- pois antes de mais nada, deixemos de lado a série de eufemismos ridículos usados e admitados que o que se está propondo é censura. Por mais que se tente atenuar e dourar a pílula com termos mornos, está se defendendo a censura, como sendo necessária para a manutenção da liberdade de expressão! "Não estamos defendendo qualquer forma de censura, estamos apenas defendendo a ética na notícia". Foi por essa tentativa de ocultar uma repressão sob um discurso liberalista que eu me lembrei dos versos acima, "você pode fazer como quiser / desde que seja da maneira que eu disser". Sim, é de uma contradição absurda, temos que olhar mais de perto pra tentar entender.
O discurso daqueles que estão defendendo alguma forma de regulação não é de que a liberdade de expressão seja nociva; eles são liberalistas que a defendem, mas acham que, para mantê-la, é preciso "monitorá-la" -- ou seja, limitá-la. Acho que estamos assistindo a mais um movimento de ação e reação, reforma e contra-reforma, que cronicamente impedem a humanidade de andar para frente. Uma força de oposição luta por determinadas metas, mas tão logo as alcança, ela mesma começa a miná-las e pervertê-las por dentro, tudo isso em nome delas! A tragédia maior nisso é que tal impulso reacionário não vem dos "adversários" assumidamente contra tais metas, mas dos próprios defensores dela! Como sempre, podemos nos referir às revoluções Francesa e Russa como exemplo, quem as transformou em totalitarismos opressores foram os próprios revolucionários, não os monarquistas derrubados.
Trazendo para terras brasileiras: nossos pais e avós penaram durante décadas sob o governo militar, e há apenas 20 anos que saímos dessa sombra. Então, toda uma oposição de esquerda (seja centro- ou extrema-) lutou arduamente para finalmente, ao longo da década de oitenta, gradativamente conquistar pequenas e grandes liberdades para o povo (variáveis e questionáveis, mas há de se admitir que muito maiores do que antes). Então, tão logo tais liberdades são conquistadas, não demora muito para que os "libertos" se angustiem com o fardo do relativo livre-arbítrio e comecem a ansear por uma figura paterna que os "oriente".
Podemos tomar como exemplo cotidiano filmes no cinema e televisão: quando eu era criança, era dito textualmente "censura x anos" na entrada do cinema e na televisão, antes de começar um filme. Em dado momento a mensagem desapareceu, em um efêmero reconhecimento de que os pais sabem melhor do que o governo em que idade os filhos estão aptos para assistir determinado material. Mas pouco tempo depois, a mensagem ressurgiu apenas atenuada, "Desaconselhável para menores de x anos". Durante vários anos ela foi de fato colocada apenas como um conselho para os pais: era direito deles seguí-lo ou não. Nos últimos tempos, porém, a mensagem permanece em sua forma atenuada, mas seu significado já se enrigeceu no original: nem que os pais queiram é permitido o acesso da criança. Nesse formato reacionário, ela é mais nociva do que a censura original, pois ostensivamente ela não é uma censura, então não há o que ser combatido nela.
Há alguns anos, um professor meu disse em aula algo mais ou menos assim (com umas pitadas minhas de Reich e Orwell no meio): toda revolução comandada por uma vanguarda da consciência está fadada a se tornar um estado de polícia. Tão logo eles conseguem alcançar suas metas revolucionárias, eles vêem a necessidade de proteger suas conquistas, e vão tomando medidas cada vez mais restritivas para isso, até que por fim se cria um regime muito mais totalitário e opressor do que o anterior -- ou seja, a ementa sai pior do que o soneto. Tal estado se distancia tanto de seus ideais originais que nada sob seu domínio é reprimido com tanta severidade quanto qualquer aparição de tais ideais. Bolchevique, alguém?
O termo chave do problema aí é o grifado "vanguarda da consciência". Por ele entende-se que dada revolução não é feita por toda a população (ou uma maioria significativa), mas sim por uma pequena elite intelectual que mobiliza (manipula seria mais correto) a grande massa inerte, que segue atrás aplaudindo e clamando palavras de ordem sem contudo saber sequer pelo que está clamando. Como em tal cenário essa massa permanece intrinsecamente inconsciente, na etapa seguinte da revolução ela não sabe, "tadinha", como proceder, então a vanguarda que a liderou, agora no poder, é obrigada a novamente orientá-la, assumindo o próprio papel paternalista que havia combatido. Daí eu deixo a pergunta retórica: de Diretas Já pra cá, as mudanças conquistadas no Brasil foram obtidas por uma massa consciente ou por uma vanguarda intelectual?
O buraco, porém, pode ser visto mais embaixo ainda, se perguntarmos por que tais líderes precisam recorrer às mesmas armas do inimigo? Ou seja, se eles são tão visceralmente contra totalitarismos e opressões, será que em nenhum momento desse processo eles percebem que estão caindo na mesma cilada e tentam outro roteiro? Essa é relativamente simples: inseridos em uma relação de opressor-oprimido, a sua luta se dá dentro de tal relação; eles não saem dela nem lutam pela sua quebra, mas apenas por sair do papel de oprimido. Uma vez libertos da opressão, e tendo agora que governar, eles prontamente partem para o único modelo que conhecem e têm como viável: opressor-oprimido. É essa dança das cadeiras que vemos ciclicamente ao longo da história, com grupos de poder apenas alternando o papel do momento, e uma "massa inerte" sendo ora aliciada, ora escurraçada, conforme a coonveniência da situação. Mudanças no meio, quando dissociadas de mudanças pessoais, são vãs, pois vão ser as mesmas pessoas estruturadas naquele mesmo modelo antigo que vão estar tentando mudar as coisas, logo só o que elas podem conseguir é "mais do mesmo" modelo antigo.
Voltando à questão em pauta: muito mais perigoso do que o político de direita que assumidamente defende medidas limitadoras é o político liberalista e populesco que veladamente, com meias-palavras bonitas para ofuscar o povo, limita muito mais as condições do povo, sem que esse sequer se dê conta. E não sei quanto a vocês, mas me doeu ver um antigo protagonista da Tropicália defendendo a criação de uma agência reguladora.
ADENDO POSTERIOR: O já indicado RTFM também tacou umas pedradas hábeis sobre o assunto ontem, com menos referência teórica e mais base prática.