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terça-feira, agosto 24, 2004

 

De volta a Dostoievski

Na barra aí ao lado eu digo que no momento estou lendo "Análise do Caráter", mas é mentira. Na verdade eu estou lendo mesmo é um punhado de textos para faculdade e estágio, e sempre que possível contrabandeando no meio deles doses pingadas de "Irmãos Karamazov".

Há quase exatamente um ano atrás (post de 24 de agosto de 2003), eu comentei sobre Dostoievski e minha então recém-concluída leitura de "Crime e Castigo". Nesse post eu tentei falar de alguma coisa neste livro que não bateu para mim, algum incômodo que eu deixei mal-definido não só por não saber especificá-lo, mas -- percebi de lá pra cá -- por não ousar especificá-lo. Porque, por mais arrogante que eu possa ser, eu tenho ao menos um pingo de noção que me impede de sair desqualificando alguém que é consensualmente considerado um dos maiores escritores da Modernidade sem ter muita certeza do que estou falando.

A verdade é que Dostoievski é decepcionante, onde decepção pode ser tomado com um duplo sentido bilingüe: decepção enquanto desapontamento e enquanto deception, enganação. Me entendam bem, ele é magistral, quanto mais eu leio dele mais eu concordo que ele é um dos grandes definidores de todo o clima e modo de ver o mundo (Zeitgeist e Weltenschauung, para tirar onda) dos últimos cento e poucos anos. Mas justamente por isso que ele decepciona: ele coloca o leitor diante de uma maneira nova de ver a sociedade, nos dá a sensação de estar testemunhando a superação dos modelos vigentes, com seus protagonistas que sofrem resolutamente as dores de transgredí-los e crescer para além deles, mas na hora do "pulo do gato" desconversa e diz que a realização máxima está na penitência abjeta a Deus. Porra, o homem que enuncia novos patamares de crescimento e realização humana para além do patriarcado religioso, que prenuncia a vontade de potência e a morte de Deus de Nietzsche, que esboça a possibilidade do homem se fazer livre de sua auto-imposta prisão, acaba por concluir que toda a verdade vem de Deus e que só se encontra a felicidade em Sua moral??? Não é uma decepção? É de nos deixar à beira das lágrimas testemunhar esse podia-ser-mas-não-foi, esse coito interrompido social e espiritual! Um desserviço, por nos tornar ainda mais conscientes da miséria humana sem contudo oferecer nenhuma alternativa válida.

Essa percepção de qual era o tal "incômodo" veio se formando gradualmente, ficou lá no canto da mente sendo processada aos poucos, e só se concretizou há poucos dias, com uma pequena sincronicidade. Em meio, como eu disse no início, aos primeiros capítulos de "Os Irmãos Karamazov" e textos avulsos de faculdade, coincidiu que entre as leituras indicadas para este semestre eu tenho o artigo de Freud "Dostoievski e o Parricídio" (que eu nunca tinha reparado que existia) para ler. É claro que eu adiantei a leitura desse texto para ver o que o vienense tarado tinha a dizer do russo angustiado, ainda mais sendo "Karamazov" A obra máxima de Dostoievski sobre o parricídio.

Esse é um artigo no qual Freud hipotetiza que, simplificadamente, os ataques epilépticos do escritor poderiam na verdade ser manifestações histéricas de seu caráter sádico. Logo na primeira página do artigo, com Freud comentando sobre os ângulos pelos quais se pode olhar Dostoievski, ele fala sobre "Dostoievski, o moralista", e condena a postura de "santo do pau oco" do escritor, que após ter pecado pra todos os lados em sua vida, sai pondo banca de moralista. Freud prossegue:

"Faz-nos lembrar dos bárbaros das grandes migrações, que matavam e faziam penitência por matarem, até que a penitência se transformou numa técnica real para permitir que o homicídio fosse cometido. Tampouco o resultado final das batalhas morais de Dostoievski foi muito glorioso. Depois das mais violentas lutas para reconciliar as exigências instintuais do indivíduo com as reinvidicações da comunidade, veio a cair na posição retrógrada de submissão à autoridade temporal e à espiritual, de veneração pelo czar e pelo Deus dos cristãos, e de um estrito nacionalismo russo -- posição a que mentes inferiores chegaram com menor esforço. Esse é o ponto fraco dessa grande personalidade. Dostoievski jogou fora a oportunidade de se tornar mestre e libertador da humanidade e se uniu a seus carcereiros. O futuro da civilização humana pouco terá por que lhe agradecer. Parece provável que sua neurose o tenha condenado a esse fracasso. A grandeza de sua inteligência e a intensidade de seu amor pela humanidade poderiam ter-lhe aberto outro caminho de vida, um caminho apostólico."


Tendo lido esse trecho específico, ficou fácil fechar a Gestalt e conseguir dar contornos específicos a essa coisa que não estava batendo (a rigor, eu não tenho nem como provar que não tenha simplesmente pensado o que escrevi acima apenas após ter lido o artigo de Freud; como digo costumeiramente, acreditem na minha palavra). Não só foi um daqueles casos em que as palavras de outros ajudam a dar forma a algum sentimento que não estamos conseguindo articular, como, mais importante, a queixa de Freud legitimou a minha. Como eu disse, eu me acovardei de criticar Dostoievski; tendo visto que mais "alguém" também se incomodara com a mesma decepção que eu, me senti amparado em me queixar também. Isso não deixa de ser, em parte, seguir a onda do mais forte; não muito nobre, mas humano.


posted by Manhaes at 3:31 PM
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