(Continuando comentários retardatários sobre o Anima Mundi (que já acabou no Rio, já teve em São Paulo, e já teve até a premiação final)
É inviável (além de extremamente monótono) comentar todas as animações que me pareceram dignas de nota esse ano, mas uma em particular me chamou a atenção, "Der Erlkoenig" do alemão Hannes Rall. Feita em desenho tradicional, ela conta em poema a passagem de um homem e seu filho febril por um bosque numa noite tempestuosa (claro), e as visões que a criança tem do "Rei dos Elfos", uma entidade ao mesmo tempo sedutora e aterrorizante, que vem tentar a criança e levá-la a seu reino. Tecnicamente ela é regular, mas é envolvente pelo ritmo e, acima de tudo, pela interpretação do narrador, que consegue alternar a sedução insinuosa do elfo, o conforto cético do pai, e o terror acuado da criança.
O leitor mais culto que eu deve estar me xingando, "Isso aí é o poema 'Erlkönig' do Goethe, seu imbecil, o ritmo envolvente é do próprio poema!". Sim, eu sei, ou melhor, fiquei sabendo, nos créditos.
Quando eu vi o título dessa animação na programação ele me soou familiar, e ao assistí-la eu percebi que realmente já havia visto uma animação com o mesmo tema. No Anima Mundi do ano passado eu havia visto a animação "The Erlking", do americano Ben Zelkowicz, e na ocasião eu fiquei sabendo (para subseqüentemente esquecer) que se tratava de um poema de Goethe. Foi me tocando da recorrência do tema que eu resolvi me informar a respeito.
Essa outra versão (cujo cartaz ilustra o post) é uma animação em areia, um processo lento e minucioso (logo raramente usado) que gera um resultado belíssimo, e é embalada pela também belíssima música de Schubert inspirada no poema. Essa animação tem um site próprio, com um trecho da animação disponível em quicktime que tem que ser visto, além de informações sobre a técnica usada, fotos, e o poema em inglês.
Quanto ao poema, fiquei curioso por ver duas animações inspiradas nele, e realmente, uma amiga alemã me confirmou que ele é leitura básica por lá, sendo bastante conhecido não só em círculos literários (e a gente lendo José de Alencar no colégio...). Além da versão em inglês no site acima, encontrei uma outra (com certamente mais diversas outras por aí), cada uma com pontos fortes e fracos alternados, tornando interessante ler as variações das duas. Tem também a original em alemão. Em última hipótese tem ainda uma versão em português que, apesar de bem feita, toma liberdades abusivas a fim de manter as rimas, tomando uma forma bastante variada do original
Enfim, além de serem boas animações por si só, ambas servem como exemplo de como a cultura "pop" e suas formas "sub-artísticas" de expressão serve como veículo de reviver trabalhos clássicos e trazê-los a um público que não as teria conhecido no original.
"My father, my father, o can you not hear
The promise the ErlKing breathes in my ear?"