Têm vezes em que a gente pára e olha ao redor e se lembra de quão medíocre é nosso meio. Como nossa geração (certamente não é a primeira, mas vou me ater ao que me é próximo) não reflete nada, não expressa nada, não deixa pegadas no chão, e tão descompromissada é com isso que comete o disparate maior de não fazê-lo alegando fazê-lo, por sequer saber a diferença!
Essa não-diferenciação é essencial para a sobrevivência e manutenção dessa massa em seu status quo, pois a protege do mais leve risco de perceber algo, de enxergar algo que lhe trouxesse o risco de trocar sua mediocridade por alguma espécie de excelência. Quando se dá um passo para trás e se observa essa massa, observando o todo de sua movimentação ao invés das pequenas danças específicas, percebe-se que não há movimentação! Nem todo movimento é bom ou útil, assim como nem toda mudança é boa; "mudar só por mudar" é justamente o método de se manter igual, com alterações ostensivas que pretendem convencer um observador superficial (a única modalidade de observação empregada nesse sistema) de que se está fazendo movimentos constantes.
Pois a cena mais forte que vem à mente ao pensar na totalidade das pequenas histórias pessoais de nosso meio é a de uma multidão de galinhas degoladas correndo a esmo em um espaço apertado, se esbarrando e trombando sem nunca conquistar nada. E o que é pior, essa imagem é mais forte justamente nos meios mais "intelectuais", onde maior é a pretensão de que se está produzindo e realizando algo. E isso é o mais desesperador, pois prova que não é uma mera questão de "trazer cultura à massa ignorante", como proporia um projeto comunista obsoleto; pois o meio do qual estamos falando é culto, ou ao menos tem acesso a cultura e lida com ela, porém sem nunca se impregnar dela!
Que seja. Mais de um grande autor já chegou a conclusões que podem ser sumarizadas nessas duas frases: "Se você quer ajudar a Humanidade, desista dos humanos" e "Não tente ajudar os homens ao seu redor, o homem não quer ser salvo dele mesmo". Nietzche já dedicou seu Zaratustra às gerações futuras, sendo parafraseado em dedicatória semelhante por Reich; George Orwell já disse que nós somos os mortos, e nossa única esperança de vitória é como punhados de pó e lascas de ossos no futuro. A evidência é grande, então não deveria ser nenhuma surpresa, o choque vem apenas quando se sai do teórico e literário e se percebe essa realidade existente em nosso meio, nas pequenas crianças adultas brincando de gente grande, atuando na vida adulta a mesma simulação que tinha um valor lícito e saudável na infância, enquanto esperam fervorosamente não ter que esperar nada.
Em cada bandinha cultuada do "cenário" local, em cada aspirante a poeta lançando sua regurgitação de Kerouak e Bukowsky em vernissages na lojinha do amigo, em cada jovem jornalista inventando assuntos para ter algo de fútil para escrever, em cada exibicionismo vaidoso de fotolog, todos pretenciosamente empenhados em parecer despretenciosos, temos a conta da mediocridade em que chafurdamos. A norma nesse meio parece ser o "tapinha nas costas" onde eu finjo que produzi algo e você finge que achou bom: todos se congratulam por suas produções, todos superlativos e entusiastas ao se elogiarem mutuamente, mas seus sorrisos são duros e seus olhos secos ao fazê-lo, seu entusiasmo tem o desespero de quem precisa continuar encenando seu papel por medo do que viria à tona caso parasse por um instante. E todos acham tudo indistintamente bom, pois já vimos como a distinção é perigosa, de modo que bom e ruim e prazer e desprazer ficam aglutinados não em uma dialética de opostos, mas em um lamaçal no meio do qual não se distingüe uma única emoção humana - e eis que eles alcançam seu objetivo, proteger-se de estar vivo.O que quer que por ventura surgisse de legítimo ou significativo nesse meio passaria desapercebido, ou pior, seria rapidamente sugado e assimilado pelo lamaçal até se tornar inofensivo.
E esses medíocres, apesar de tudo, ainda são melhores do que a alternativa, eles são o que saiu de "menos mau" nessa geração! O que quer que haja de brilho humano inato em cada um de nós continua desperdiçado, de modo que a pergunta se torna se essas pessoas, já adultas, se mantêm em um esforço contínuo de não se expôr ao próprio brilho, ou se elas o suprimiram à extinção, de modo que nem haja mais o que ser recobrado.
Como música do dia, então, uma pequena colagem de umas 3 ou 4 músicas que me vieram à cabeça em momentos enquanto escrevia isso, e que ao menos servem de consolo por confirmar que de fato o desgosto com o despercídio das pessoas ao nosso redor não é algo só de agora:
"When I was a child I caught a fleeting glimpse
Out of the corner of my eye
I turned to look but it was gone
I cannot put my finger on it now
The child has grown, the dream is gone"
Pink Floyd - "Confortably Numb"
"All our dreams have melted down
We're hiding in the bushes
From dead men doing Douglas Fairbanks' stunts
All our stories burnt
Our films lost in the rushes
We can't paint any pictures as the moon had all our brushes"
Bauhaus - "Who Killed Mr. Moonlight?"
"We all say, 'don't want to be alone'
We wear the same clothes cause we feel the same
And kiss with dry lips when we say goodnight
End of the century... it's nothing special"
Blur - "End of the Century"
"The crowd you're in thinks you're so amusing
They're oh so flattering and so sincere
They stand and laugh as they watch you crumble
And when you cry for help they don't hear"